Thadeu Brandão – Comunidade em Tempos de Modernidade Líquida: a Igreja como pedra fundamental

Por Thadeu Brandão.

A anunciação de Jesus se deu em um processo gradual e, de certa forma, a partir das evidências que seus atos e discursos apontavam, principalmente aos seus discípulos, os apóstolos. Na liturgia de Mateus 16, 13-20, vemos a anunciação do “Filho do Homem”, do Cristo (termo grego para Messias, “Ungido”). Coube a Pedro, o pescador, enunciar a descoberta e, coube também a ele, o cuidado da nova comunidade que nascia (assembleia, do grego eclesia, de onde vem “Igreja”). Disse Jesus: “tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt, 16, 18).

Primeiramente, temos uma questão clara de exegese: vemos aqui a visão da comunidade cristã em torno do papel de Jesus e dos próprios apóstolos na economia da salvação. O fato é registrado em Marcos e Lucas, assim como em João. O que pode significar que estamos lidando com o que literalmente pode ter ocorrido. Restam duas questões fundamentais: Jesus estava pensando em Igreja enquanto instituição ou edifício público? Qual o papel de Pedro e dos Apóstolos?

A comunidade cristã só passou a ter existência real após a morte de Jesus e sua ressurreição, efetivamente, com a vinda do Espírito Santo. A partir daí, de forma extremamente lenta e gradual, vai se formando uma identidade cristã, no culto público, na fração do pão, na caridade e no cuidado entre si. Importa lembrar que os primeiros cristãos, todos judeus, ainda viviam sob a capa do judaísmo do século I, indo ao Templo e seguindo a dietética judaica. Neste sentido, o que guiava os cristãos em sua identidade, afinal, ainda não haviam evangelhos (estes só começariam a ser escritos algumas décadas depois)? Respondo: era a memória dos apóstolos e dos discípulos, assim como de todos aqueles que haviam convivido, ouvido e tocado em Jesus. Formava-se toda uma tradição que se fundamentaria depois nos evangelhos (dezenas deles), cujos quatro canônicos seriam escolhidos mais tarde, por corroborarem essa mesma tradição.

O que os guiavam? Sim, era o espírito da comunidade, o Espírito Santo. A presença viva do Cristo ressuscitado, do Filho do Homem sofredor, humilhado e colocado sob as mesmas condições da humanidade. Com o ato da cruz, a suprema condição de igualdade que nos permitiu a salvação, Deus colocou seu filho amado, que na suprema condição de humanidade ousou dizer: “Pai, porque me abandonastes?”. Nós, todas as vezes que nos sentimos abandonados, também suplicamos e questionamos. É na miséria e abandono absolutos que nos aproximamos mais de Jesus.

O Espírito Santo cumpre o papel significativo de nos amparar no abandono. Ele é o guia da comunidade (Igreja). Guiado pelo amor indelével do Pai pelo seu Filho e do Filho por aqueles que tanto amou, que legou a si mesmo na morte mais horrenda e dolorosa possível, o Espírito Santo é o guia da comunidade. Por isso, as portas do inferno jamais irão prevalecer sobre ela. Quando a mentira, a dissolução, a tirania, a violência e tantas outras formas de “portais do inferno” se batem contra a comunidade (Igreja), o Espírito Santo vem ao seu socorro.

Por tudo isso, não há e nem pode haver cristianismo individual. O cristianismo, ao contrário do budismo e de outras manifestações religiosas, não pode ser vivenciado na solidão de uma caverna ou na individualidade do ser. A fé em Cristo é comunitária, só pode ser vivenciada em sua Igreja (comunidade), juntamente com todos os irmãos e irmãs. Isso também aponta para outro elemento: ser cristão é olhar sempre para o outro, aquele que sofre, que padece, que grita por justiça. O Espírito Santo nos envia para o outro. Assim, poderemos construir uma Igreja (comunidade) de amor. Sozinhos, em nossas devoções e “santidade” nada podemos construir. A rocha que se ergue a Igreja é uma pedra fundamental de gente, pessoas, vivendo esse amor em comum.

 

Boa semana. Paz e bem a todas e todos.