Thadeu Brandão – Classes Sociais e o mundo do trabalho no surgimento de novos arranjos políticos
Por Thadeu Brandão.
Slavoj Zizeck, filósofo mais influente no pensamento radical, não apenas pelas suas ideias, mas pelo seu ativismo político, nos convida a algumas reflexões acerca das classes sociais e de seu papel no capitalismo contemporâneo. Vale a pena, de forma rápida e modesta, realizar algumas reflexões à luz do pensador eslavo.
Longe de apenas pensar a velha dicotomia “burguesia versus proletariado”, Zizeck vai além dos próprios críticos da vulgata marxista, apresentando cinco categorias: (1) os trabalhadores, (2) o exército de reserva dos (temporariamente) desempregados, (3) os (permanentemente) inempregáveis e (4) os “anteriormente empregados” (mais apropriado como ilegalmente empregado –desde os que trabalham no mercado negro e nas favelas até as diferentes formas de escravidão). Para quem, necessariamente, precisa pensar categorias da violência, esses “excluídos” são também os incluídosno mercado mundial.
Em um de seus livros publicados no Brasil: “O ano em que sonhamos perigosamente” (2012), ele acrescenta ainda:
“Em terceiro lugar, a categoria dos ‘anteriormente empregados’ deveria ser complementada pelo seu oposto, aqueles que foram educados sem nenhuma chance de encontrar emprego: toda uma geração de estudantes quase não tem chance de conseguir um emprego em sua área, o que leva a um protesto em massa; e a pior maneira de resolver essa lacuna é subordinar a educação diretamente às demandas do mercado – se não por outra razão, isso ocorre porque a dinâmica do mercado torna ‘obsoleta’ a educação dada nas universidades” (2012, p. 15).
Esse novo desemprego estrutural age, segundo ele, como uma forma de exploração, ou seja, os explorados não seriam apenas os trabalhadores que produziriam a mais-valia apropriada pelo capital, mas também aqueles que são estruturalmente impedidos de cair no vórtice capitalista do trabalho assalariado explorado, inclusive regiões e nações inteiras. Temos agora não apenas os que trabalham e criam, mas o que são impedidos de trabalhar e criar. O sistema não só precisa de trabalhadores, como também gera o “exército de reserva” daqueles que não conseguem e jamais conseguirão trabalho; estes excluídos do processo de trabalho são agora produtores de não trabalho.
Dialeticamente, isso ocorreria porque,
“(…) somente no capitalismo a exploração é ‘naturalizada’, está inscrita no funcionamento da economia – ela não é resultado de pressão e violência extraeconômicas, e é por isso que, no capitalismo, temos liberdade pessoal e igualdade: não há necessidade de uma dominação social direta, a dominação já está na estrutura do processo de produção” (ZIZECK, 2012, p. 17).
Em termos de classe social, o que isso significaria? O capital funda-se em três bases: a tendência duradoura de retornar do lucro à renda; o papel estrutural muito mais forte do desemprego; a ascensão da nova classe social, a “burguesia assalariada”. Em termos de novo padrão do trabalho e de seu valor, Zizeck aponta que a mudança mais sutil é a que faz do trabalho, possuí-lo, um novo status, dado que nem todos o terão. Ao mesmo tempo, a “dona dos meios de produção” é substituída por uma nova classe social.
Isso porque, o trabalho imaterial, simbólico diria Bourdieu, faz surgir uma nova área de dominação pautada em conhecimentos, formas de cooperação e comunicação compartilhados etc., que já não podem mais ser contidos pela forma da propriedade privada. Tem-se uma verdadeira produção imaterial é diretamente biopolítica, “a produção da vida social”.
Essa vida social vê surgir um novo ator, o
“empreendedor que não é mais dono de sua própria empresa, mas um gerente especializado (ou um conselho administrativo presidido por um CEO) que dirige uma empresa pertencente a bancos (também dirigidos por gerentes que não são seus donos) ou a investidores dispersos. Nesse novo tipo ideal de capitalismo sem burguesia, a antiga burguesia, tornada desfuncional, é refuncionalizada como gerentes assalariados – a nova burguesia é paga e, mesmo que possua parte da empresa, recebe ações como parte da remuneração de seu trabalho (‘bônus’ por seu gerenciamento ‘bem-sucedido’)” (p. 19-20).
Isto posto, a burguesia, em seu sentido clássico discutido por Marx, está em vias de desaparecimento. Agora, forma um subconjunto dos trabalhadores assalariados: “os gerentes qualificados para ganhar mais por sua competência”, que abrange todos os tipos de especialistas (administradores, servidores públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais, artistas…).
Dentro de uma lógica apontada já há décadas por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, temos uma tendência de formação e consolidação de um “mundo administrado” em um capitalismo administrativo.
Sobre a crise atual, Zizeck aponta que
“A Grécia não é uma exceção, mas um dos principais campos de teste para impor um novo modelo sócio-econômico com pretensões universais: o modelo tecnocrático despolitizado, em que banqueiros e outros especialistas têm permissão para esmagar a democracia. Há sinais abundantes desse processo por toda a parte, até o crescimento do Walmart como uma nova forma de consumismo voltado para as classes mais baixas” (2012, p. 23).
Em termos de nova divisão social do trabalho, o mundo inteiro tenderia a funcionar como uma “Esparta” universalizada e suas três classes (Espartíatas, Periecos e Hilotas), hoje na forma de primeiro, segundo e terceiro mundos (a analogia é bem instrutiva): (1) os Estados Unidos como poder militar político e ideológico (Espartíatas, elite militar e política espartana, descendentes dos Dórios, monopolizavam o Estado e a força militar); (2) a Europa e partes da Ásia e da América Latina como zona industrial manufatureira (Periecos, livres, mas subordinados aos Espartíatas, ocupavam posições subalternas no exército e na economia) (3) o restante subdesenvolvido, os hilotas contemporâneos (Hilotas eram descendentes dos povos submetidos pelos Espartanos, servos do Estado, não possuíam direitos alguns). “Em outras palavras, o capitalismo global provocou uma nova tendência geral à oligarquia, fantasiada de celebração da ‘diversidade das culturas’: a igualdade e o universalismo estão desaparecendo como verdadeiros princípios políticos…” (ZIZECK, 2012, p. 25).
Bibliografia Citada:
ZIZEK, Slavoj. O ano em que sonhamos perigosamente. Tradução de Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.