Thadeu Brandão – Carnaval e a manutenção das hierarquias

O carnaval é uma das festas tradicionais e religiosas mais antigas que ainda se mantém. Principalmente em redutos tradicionais ou em espaços onde, de certa forma, predominam enfoques túrísticos. Nesses últimos casos, penso em Veneza (Itália) e St. Luois (EUA). No caso do carnaval brasileiro, temos a maior festa popular do mundo. Literalmente, quase todo o país sucumbe ao culto do prazer e da festa, naquela que é denominada de folia de Momo.
As origens do carnaval são diversas: em geral, atribui-se à Roma Antiga, nos cultos à Baco onde a chegada da primavera era celebrada com grande êxtase, em ruas e casas romanas. Em todo caso, temos uma festa que celebra a vida nova, a primavera, revitalização do mundo após o inverno. Os Judeus celebravam o Pessach, mais ritualístico e ordeiro. A cultura greco-romana celebrava o excesso, a êxtase, a inversão social, o des(limite).
Com o cristiansmo, os Padres da Igreja logo tentaram, em vão, acabar com o culto orgiástico à vida. Sem êxito visível. Como bons sistematizadores, inverteram o processo, e ligaram o carnaval – literalmente, “festival da carne, carneval” – à Páscoa, maior festa cristã. Criou-se a Quaresma, tempo de jejum, penitência e orações, iniciando esta na Quarta-Feira de Cinzas, dia derradeiro do carnaval. Ou seja, os 40 dias de penitência, que celebrariam os 40 anos de migração dos judeus pelo deserto e os 40 dias de jejum e penitência de Jejus antes de seu ministério, seriam o pós-carnaval.
Assim, o carnaval foi mantido como o momento onde tudo era possível e poderia ser feito, ao largo do olhar severo da Igreja, pois, teria-se a Quaresma, tempo de purgar os pecados carnavalescos. Manteve-se o carnaval, adequando-o à lógica cristã.
Roberto DaMatta, antropólogo, em seu clássico “Carnavais, Malandros e Heróis”, faz uma das mais belas análises do papel estrutural do carnaval brasileiro no constructo de nossa sociedade. Festas, longe de serem apenas diversão, reafirmam a estrutura hierárquica de uma sociedade. A inversão permitida pelo carnaval torna-se fundamental como tempo onde as regras sociais, rígidas e hierárquicas, são temporariamente suspensas. Pobre vira rico e rico vira pobre. Homem se veste de mulher. Tudo se paraliza, permitindo uma espécie de “novo fôlego” societário. Depois, tudo volta como antes, à velha normalidade hierarquizadora.
Afinal, o ano só começa, dizem por aí, após o carnaval. Seja como for, longe de apenas uma festa, o carnaval é fudamental para a identidade brasileira. Festivo mas, em seu âmago (poderia dizer essência, mas a turma odeia essa expressão), o carnaval apenas reafirma a estrutura da velha ordem. Pois, supendendo-a temporariamente, permite sua longevidade. Ou não.
Bom festival da carne a todos!