Thadeu Brandão – As eleições de 2018 e a Banalidade do Mal no Brasil

A violência e os casos reiterados de ações violentas oriundos do acirramento das eleições de 2018 no Brasil precisam ser analisadas a partir de vários aspectos concatenados. Primeiramente, temos o forte discurso antipolítico ensejado pela “Operação Lava Jato” e apoiado pela grande mídia nos anos anteriores, que levou ao descrédito não apenas a classe política, mas o próprio sistema representativo que vigora no Brasil formalmente há mais de um século e de forma “democrática” há mais de três décadas. A ânsia por candidatos “outsiders” (mesmo que apenas no plano executivo) voltou a aparecer fortemente. Lembro que isso nada tem de novo no Brasil. Jânio Quadros e Fernando Collor sãos crias do mesmíssimo fenômeno.

Depois, temos o desgaste do governo Temer, absolutamente ilegítimo em termos políticos, com sua absoluta impopularidade que arrastou consigo todos os candidatos de centro que poderiam fazer um discurso moderado nesta eleição. Seus apoiadores formais e sustentáculos governamentais, (P)MDB e PSDB foram os mais duramente atingidos. A reforma trabalhista e a pretensa reforma previdenciária cobraram o seu libelo eleitoral.

O próprio PT, que governou o Brasil por uma década e meia, não fez o seu devido mea culpaacerca de seus erros e, principalmente, naquilo que uma parte do eleitorado brasileiro considera fundamental: a questão dos envolvimentos na corrupção.

Finalmente, somando-se esses elementos e outros que não citei devido à sua extensão, o rescaldo é que os discursos dos dois extremos (esquerda e direita) chegaram ao segundo turno, onde o candidato da direita (extremista e populista) cresceu com uso de uma retórica de armamentismo, violência como resposta aos problemas sociais e um neoliberalismo cambaleante e sem rumo certo. Do outro lado, o PT que, sem ter feito sua mea culpae sem ter apostado nas redes sociais (novo discurso hegemônico e dominante) e num candidato de coalizão, se vê atolado frente aquilo que não apenas considero como “voto anti-PT”, mas como um ranço autoritário e arbitrário contra tudo o que é significativo em termos de Estado de Direito, Liberdade e Democracia. Junte a tudo isso o uso massivo do wathsapp e facebook, ignorado por analistas de todos os escopos (eu inclusive), que terminou sendo determinantes na disseminação dos “fake news” que alimentam o discurso de ódio e de preconceito já existente, mas agora exacerbados no processo.

A violência que se escancara a cada dia, que afeta principalmente negros, mulheres, esquerdistas e homossexuais (alvos preferenciais dos discursos pretéritos do candidato majoritário, todos documentados, gravados e publicados), além de opositores políticos simplesmente (todos taxados com críticas ad hominen, desqualificados e vilipendiados) é tão familiar ao que aconteceu na ascensão do III Reich Nazista na derrubada da Alemanha de Weimar em 1933 que assusta até aos mais céticos observadores. Estamos diante da barbárie que levou, lá na Alemanha, à morte de milhões de indivíduos pertencentes a minorias e opositores. Não chegaremos a tanto (espero), mas o fato de que o candidato que está a frente das pesquisas continuar a não se responsabilizar pela violência perpetrada pelos que dizem ser seus eleitores e apoiadores é sinal (como a sua visita ao BOPE no RJ, não gravada e estranhamente apontadora de seu papel como “presidente futuro de um país”) de que mais violência deverá ser esperada.

Como antes comentei, as redes sociais, notadamente o wathsapp, disseminam “fake news” e mentiras a torto e a direito, transformando uma campanha política em anticampanha. Não há propostas porque ninguém as leva à sério. Uma parte da população só se preocupa em falar mal do adversário, absorvendo todo tipo de besteirol autoritário, violento, preconceituoso e mentiroso. Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler teria inveja da estrutura armada no wathsapp e Facebook para esta campanha. Os nazistas com isso, já estariam no poder anos antes e não teriam perdido tantas eleições. Mas o candidato à frente é a doença a ser combatida? Duvido. Ele é sintoma de uma sociedade altamente autoritária, preconceituosa, xenófoba, racista, misógena e homofóbica. Uma sociedade que odiou ver os mais fragilizados com algum direito social ou mesmo com uma pequena e deletéria ascensão social. O sociólogo Jessé Souza tem razão (neste caso) quando aponta que nossas classes médias e elites (em sua maioria) tem um extremo pavor à igualdade. Esse fenômeno traz como fruto as barbáries anunciadas neste pleito de 2018.

No Brasil, sem as garantias constitucionais e o Estado de Direito, que deveriam permitir a livre manifestação e opinião, a liberdade de ir e vir, a individualidade e a existência das pessoas, a banalidade do mal está às nossas portas. Eu mesmo fui ameaçado reiteradas vezes, na rua (numa fila de banco) e nas redes sociais por “seguidores” do dito candidato. Não cabe crítica nem reflexão contrária. Com o silêncio do judiciário, das instituições e da sociedade, estamos prontos para regredir décadas. Gays, mulheres, pessoas que pensam diferente agora são paulatinamente ameaçadas. Por pessoas que se dizem de direita? Não. Por bandidos e psicopatas travestidos de eleitores do candidato majoritário. O ranço contra a ideia de que cidadãos possam coexistir na diferença, a homofobia e a misoginia, a raiva da democracia, se estruturam nas ações de ódio que, ao meu ver, só irão piorar. Quando até mesmo, um candidato eleito ao parlamento usa as redes sociais para ameaçar a Justiça e o STF com prisão, como se na caserna estivesse, o que podemos esperar?

Eu respondo: o fim da civilização e o retorno à barbárie. Nossa democracia, tão jovem e imperfeita está sendo assassinada. Com ela, nossas esperanças de um futuro menos desigual, injusto e opressor. Mais violência virá, agora com a concordância absoluta da mídia, das instituições e de parcela da sociedade que agora não tem mais vergonha de destilar seu ódio. O mal se banalizou e deu sua cara à vista, para parafrasear Hannah Arendt.