Sucesso da Taurus é fruto da “história de amor entre Bolsonaro e as armas de fogo”, diz Le Monde

O jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde desta terça-feira (5) traz uma longa reportagem sobre o sucesso da fabricante de armas brasileira Taurus, que registra resultados excepcionais. A principal razão desse êxito comercial, explica o texto, é a chegada de Jair Bolsonaro ao poder e sua política que facilita o acesso às armas de fogo.

O correspondente do vespertino foi até a fábrica da Taurus em São Leopoldo (RS), onde são montadas mais de 5 mil armas diariamente, para entender a origem do sucesso da empresa que domina 85% do mercado brasileiro, em uma situação que beira o monopólio nacional. Le Monde aponta que a Taurus também é um grande player global, pois “exporta 70% de sua produção em mais de 100 países, entre eles, os Estados Unidos, de longe o primeiro mercado mundial de armas de fogo”.

O jornal relata que, mesmo se o balanço anual ainda não foi divulgado, já se sabe que a empresa vendeu, entre janeiro e setembro de 2020, 1,2 milhão de armas de fogo, o que representa uma alta de 28% com relação ao mesmo período de 2019. O lucro bruto deu um salto de 100% e as ações da empresa na bolsa ganharam 192%, contabiliza o texto.

“Não apenas nós produzimos um grande volume, o que nos permite ter preços muito competitivos, como também temos uma das gamas mais completas do mundo”, explica Salesio Nuhs, presidente do grupo, entrevistado pelo Le Monde. No entanto, o dirigente aponta outras razões para o sucesso: “Com a pandemia, as pessoas estão com medo. Elas se sentem ameaçadas, sem segurança”. Além disso, “as eleições nos Estados Unidos tiveram um peso, pois os americanos temiam possíveis restrições para a compra de armas com a chegada de um presidente democrata no poder”, analisa.

Mas, acima de tudo, o presidente da Taurus deve agradecer Jair Bolsonaro, sentencia Le Monde. Afinal, explica o correspondente, existe uma “verdadeira história de amor” entre o presidente brasileiro e as armas. O chefe de Estado, que posou durante sua campanha “em uma postura viril”, como se tivesse um revólver na mão, confessa, sem pudores, que continua dormindo com uma pistola perto da cama, relata o jornal francês.

Uma corrida pelas armas de fogo

Mas além de uma paixão pessoal, o acesso às armas de fogo faz parte da política do presidente brasileiro, aponta o vespertino. “Desde o início de seu mandato, ele não perdeu tempo. Em dois anos, quase 30 decretos, artigos ou projetos de lei foram adotados”, lista o vespertino. “Um cidadão ordinário pode atualmente possuir até quatro armas de fogo (contra duas antigamente), comprar até 1.200 munições por mês e por arma (contra 50 por ano e por arma no passado)”, enumera o texto, que alerta também para o fato de que o acesso aos calibres maiores também ficou mais fácil, inclusive para a compra de fuzis semiautomáticos AR-15.

Diante dessas mudanças, o Brasil assiste a uma “verdadeira corrida pelas armas de fogo”, diz o texto, lembrando que 168 mil pessoas obtiveram o direito de possuir uma arma de fogo em 2020, o dobro das autorizações concedidas no ano anterior e o triplo com relação a 2018, antes da chegada de Bolsonaro ao poder. “Desde sua posse, pelo menos 267 milhões de balas foram compradas no país, ou que corresponde a mais de uma para cada brasileiro vivo”, compara. Os números são preocupantes, principalmente “em um país que já é ultraviolento, com 41 mil assassinatos registrados em 2019”, dos quais sete em cada dez são cometidos com armas de fogo, denuncia o jornal.

No entanto, “Bolsonaro apenas amplificou uma tendência que começou bem antes dele”, pondera Ivan Marques, especialista do mercado de armas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entrevistado pelo Le Monde. Segundo ele, se o Brasil deu exemplo em 2003, com seu ambicioso Estatuto do Desarmamento, desde então há um retrocesso, adubado pelo chamado “lobby da bala”. “Entre 2009 e 2019, o número de armas compradas a cada ano por civis brasileiros deu um salto de 580%”, relata o vespertino.

Sucesso da Taurus apesar de sua má reputação

Um aspecto interessante levantado pela reportagem do Le Monde é que, apesar de seu sucesso e das mudanças que contribuíram para que os brasileiros tivessem mais acesso às armas, a Taurus não tem boas relações com a família do presidente. Principalmente porque Eduardo Bolsonaro encampa um projeto de abrir o mercado brasileiro para fornecedores internacionais.

Além disso, mesmo se as armas da empresa conquistam o mercado por seu preço competitivo, elas são conhecidas por serem “de péssima qualidade, defeituosas e, em alguns casos, até perigosas, disparando sozinhas ou bloqueando em plena troca de tiros”, diz a reportagem, que reproduz informações do site The Intercept. Mesmo assim, “Taurus beneficia plenamente da política de Bolsonaro”,é um símbolo dessa “corrida da sociedade brasileira pelos armamentos”, resume Le Monde.

Segundo o vespertino, a estratégia do presidente sobre o assunto pode entrar para a história como o legado mais mortífero da era Bolsonaro, junto com a destruição do meio ambiente. Um legado que “mata qualquer possibilidade de diálogo entre os cidadãos brasileiros”, finaliza a reportagem do jornal Le Monde.

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