Rogério Cruz – O semiárido nordestino exporta água em plena seca

Em recente artigo publicado neste jornal – intitulado “O semiárido nordestino exporta água” exibido em 07 outubro 2016 -, sugerimos que a moderna economia do semiárido nordestino está organizada num modelo agrícola que, em sua essência, exporta água. Isto porque baseia-se na produção de fruticultura irrigada, que é uma atividade muito exigente daquele recurso natural. Esta atividade, além de gerar uma tendência de redução gradativa dos estoques de água subterrânea existentes, torna-se socialmente perigosa, sobretudo num momento em que a economia regional vive a maior seca de sua História.

Todavia, mesmo assim, nesse contexto, há quem não apenas negue o fato de que se está exportando água, como também busque – erroneamente – estabelecer uma equivalência dessa exportação com a evaporação da água, tal como aquela que ocorre nos açudes – que se faz de modo mais intenso, durante o período seco, tal como no presente momento.

Assim, pergunta-se: teria, ou não, pertinência essa tese que tenta igualar água evaporada com água utilizada na fruticultura irrigada? Se aceita esta tese, então, dizem que modernizar é preciso, até porque, a água perde-se de qualquer modo.

Entende-se aqui, de modo diverso, que a água utilizada na fruticultura irrigada é parte integrante de um ambiente de produção moderna que contempla, dentre outros fatores, a inovação tecnológica, novas relações de produção, concorrência, busca de lucros, etc. Logo, essa água utilizada na fruticultura irrigada, ademais de ser uma coisa física, assume também o papel de elemento de acumulação de capitais. Ou seja, a natureza física da coisa útil – água – se ampliou mais além da coisa física que ela é, devido ao surgimento duma perspectiva econômica que passou a assumir e que tende a ser hegemônica.

Assim, essa água que é capturada pela fruticultura é “natural” apenas enquanto estiver no subsolo, ou seja, enquanto manancial hídrico. Porque, a partir daí, passa a não ter nada de natural: torna-se parte integrante de um movimento que busca valorizar coisas produzidas (frutas) que se faz por intermédio de relações de produção e de troca, que ocorrem a partir da economia do semiárido nordestino, e que tem inserção, tanto no mercado nacional, quanto no mercado internacional.

Então, a fruticultura exporta água. E, o faz, na atualidade, em meio à atual seca, que é a maior da História regional. Com isso, contribui para tornar secundários os interesses humanos em relação aos interesses prioritários que buscam a acumulação privada de capitais – e que se manifesta e/ou se concretiza no momento da exportação de frutas.

Assim, aquele discurso que tenta equiparar esses dois fenômenos distintos que ocorrem com a água, falseia o seu duplo papel, assumido recentemente com o surgimento da fruticultura irrigada. Porque, em essência, quer defender a existência de um modelo de desenvolvimento agrícola que vê a modernidade como algo inexorável para o crescimento econômico.

Será que essa modernização é necessária? Pode até ser. Mas, para quem? Porque, da forma como vem sendo implantada, tem trazido destruição do frágil ecossistema existente no semiárido, como é o caso específico da redução dos estoques hídricos subterrâneos, fato que redunda em impactos naturais e sociais negativos, tal como já é possível observar na atualidade.

Será que esse é o caminho que a nossa sociedade quer continuar a seguir, tal como vem demonstrando até aqui? Neste caso, que futuro terão nossos netos, em face dessa escassez de água, que é socialmente criada?

Rogério Cruz é Doutor em Economia/Unicamp (SP) e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).