Rinaldo e o marxismo espiritual
Quando conheci o sociólogo Rinaldo Barros, no final da década
de 1980, compartilhando juntos uma das mais aprazíveis e produtivas
confrarias já reunida em Natal, no saudoso Restaurante Cuxá,
foi fácil perceber que estava diante do segundo cara de esquerda
que expressava com clareza uma autocrítica à militância da sua
geração durante o regime militar. Pouco antes dele, foi a mesma
eloquência que me fez se aproximar de Fernando Gabeira.
Nos animados sábados da confraria “Sábado Conduto”, que quase
sempre iniciava ainda no fim da manhã e avançava pela tarde e
noite, alguns momentos de conversas sérias, no campo político e
filosófico, soava sempre – e mansamente – a voz do cientista social
pernambucano que adotou o RN com lar afetivo e efetivo. Me
impressionava o evidente espírito pacifista de quem travou uma luta
inglória que o deixou por anos trancafiado numa cadeia.
Assim como Gabeira, ele
rompeu com o radicalismo e
sectarismo doentio da esquerda,
mantendo ao longo do tempo
um posicionamento coerente
com os anseios sociais das camadas
mais humildes, tudo expressado
em seus textos.
Questionava a porralouquice
das legendas extremas com a mesma
veemência que detonava a corrupção
endêmica espalhada pelo
PT. Abdicou do materialismo sem
perder a análise marxista com o
acréscimo da sua fé cristã.
Quando nos anos 1990 o ator
Carlos Vereza brincou no
programa de Jô Soares se autodefinindo
“marxistakardecista”,
eu já tinha ouvido
o neologismo na boca de Rinaldo,
que já cinquentão passou a
estudar e crer na doutrina.
Trocadilhos à parte, eu o tratei
algumas vezes como um “espírito
pensador”. Estava sempre
produzindo textos analíticos
sobre o nosso tempo, observador
atento das questões políticas,
econômicas, culturais e,
mormente, filosóficas.
Rompeu com a velha esquerda
e preferiu reforçar os
avanços políticos do estado contribuindo
com o campo da socialdemocracia,
tendo pra isso
fundado com Wilma de Faria o
PSB de Miguel Arraes e militado
no PSDB de FHC.
Foi um questionador do autoritarismo
xiita dos petistas,
sempre aptos a vencer e revoltados
nas derrotas, como dissera
Gabeira na volta do exílio:
“Há teorias prontas para explicar
derrotas da esquerda, menos
as derrotas específicas”.
Certa vez perguntaram ao exministro
Jarbas Passarinho por
que estudar tanto Karl Marx se ele
combatia o comunismo. Dizia que
era preciso conhecer o pensamento
do inimigo. Rinaldo juntou Marx
e Jesus pra achar o bom senso.
Tínhamos filhos de mesma
geração, nascidos no fim do século
XX, que conviveram no Cuxá
bagunçando nossa confraria. Por
isso nos tornamos “compadres”
informais e assim nos tratamos
pelos muitos anos seguintes.
Com vários livros publicados,
faltou um que aguardava o prefácio,
e que por meu desleixo não
foi escrito. Fiquei devendo. Restou
este registro do seu perfil de
homem de letras e de bom caráter.
Rinaldo partiu terça-feira,
poucos meses depois de Gorete
Diniz, a sua cara metade.
Coluna Alex Medeiros
Tribuna do Norte 06.02.30