Relatório responsabiliza pecuarista e empresas do Brasil pelo maior desmatamento químico no Pantanal

Um novo relatório da ONG Mighty Earth, realizado em parceria com a plataforma Repórter Brasil e a ONG holandesa AidEnvironment e divulgado nesta terça-feira (17), aponta o envolvimento do pecuarista brasileiro Claudecy Oliveira Lemes e das empresas JBS, Marfrig e Minerva no maior desmatamento químico já realizado no Brasil. Segundo o documento, um poderoso componente do "agente laranja" foi usado para devastar 81,2 mil hectares do Pantanal.

Intitulado de “Guerra Contra a Natureza”, o relatório alerta que o Pantanal está em risco e aponta que o desmatamento químico “ilegal” devastou “uma vasta área, quatro vezes maior do que Amsterdã”. “As descobertas ocorrem no momento em que a seca extrema e as mudanças climáticas alimentam uma das piores temporadas de incêndios no Brasil em décadas, com as autoridades brasileiras culpando os ‘criminosos’ por incêndios deliberados”, reitera do documento.

No alvo do relatório está o pecuarista brasileiro Claudecy Oliveira Lemes, 52 anos, proprietário de 11 fazendas na cidade de Barão de Melgaço (MT), estado com o maior rebanho bovino do país, no coração do Pantanal, a maior planície inundável de água doce do mundo. Ele foi absolvido no início deste mês pela devastação de mais de 3 mil hectares, mas segue investigado por mais de R$ 25 milhões em desmate químico.

No último mês de abril, a plataforma Repórter Brasil já havia revelado que ao longo de 2023 o fazendeiro vendeu gado à JBS, uma das maiores produtoras de carne do mundo. Mas a Mighty Earth destaca ainda que outros dois grandes frigoríficos – a Marfrig e a Minerva – também compraram, nos últimos anos, animais criados em áreas devastadas por Lemes. Segundo a ONG, a carne oriunda de uma das fazendas de Lemes, a “Soberana”, é processada pela JBS, Marfrig e Minerva antes de ir parar nas quatro maiores redes de supermercados do Brasil: Carrefour, Casino/GPA, Grupo Mateus and Sendas/Assaí.

As autoridades brasileiras investigam as devastações químicas nas fazendas do pecuarista desde 2022, nas quais foram utilizados “25 tipos de agrotóxicos, entre eles o 2,4-D”, diz a Repórter Brasil. A substância, um dos compostos do chamado “agente laranja” é célebre por sua toxicidade e foi utilizada pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, entre 1955 e 1975.

Em entrevista à RFI, a consultora Mariana Gameiro, da Might Earth, explicou que o objetivo do desmatamento químico é aniquilar a vegetação local para expandir a criação de gado, mas de forma dissimulada. “Primeiro, as folhas caem, depois, as árvores perdem força e acabam morrendo. Isso dá a impressão que é uma degradação natural da floresta, mas não é verdade, é criminoso”, diz.

Segundo a especialista, os danos não se limitam à vegetação, já que o vento acaba por espalhar as substâncias químicas, prejudicando também a fauna e até mesmo os moradores das áreas desvastadas. “Não são apenas as árvores que morrem, mas toda a biodiversidade local, a floresta e os animais. Há também o impacto na saúde das comunidades próximas e principalmente na qualidade da água”, ressalta.

Rastreamento da carne

Para a elaboração do relatório, as ONGs Mighty Earth e AidEnvironment, com a plataforma Repórter Brasil, indicam ter examinado mais de 1.600 peças de carne em 120 supermercados de 52 cidades brasileiras, entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024. O documento ainda ressalta que se apoiou em rastreamento realizado por satélite e o transporte dos animais.

Em seu site, Mighty Earth faz uma série de exigências, entre elas, que a JBS, Marfrig a Minerva investiguem as alegações e suspendam suas relações diretas e indiretas com responsáveis pelo desmatamento. Também pede que frigoríficos revelem o volume e a origem da carne de gado comercializada e que os distribuidores apontados na investigação suspendam seus negócios com as empresas envolvidas nas denúncias.

O Carrefour afirmou ter bloqueado os negócios com duas das cinco fazendas apontadas no documento, afirma a ONG. Mais da metade dos produtos bovinos (56%) das lojas da rede analisadas é originária dos frigoríficos da JBS, “o que significa que a gigante francesa está potencialmente relacionada” aos desmatamentos químicos.

“Neste momento, o Brasil está em chamas com incêndios florestais que assolam todo o país, causados ​​em grande parte por atividades criminosas impulsionadas pela agricultura”, lembra, no relatório, João Gonçalves, diretor sênior do escritório da Mighty Earth no Brasil. “O bioma não consegue resistir ao fogo e à desflorestação química desenfreada, que não só desnuda árvores em vastas áreas, como envenena ecossistemas inteiros. As grandes empresas de carne bovina precisam suspender urgentemente todos os pecuaristas empenhados nesta destruição da natureza para obter lucro”, conclui.

Posicionamento da Marfrig

Após publicação da matéria, a Marfrig entrou em contato com a RFI solicitando direito de resposta. Em nota, a empresa afirma:

“A Fazenda Soberana forneceu animais para abate na unidade da Marfrig em Paranatinga (MT) em setembro de 2018 e em janeiro de 2019. A empresa esclarece que, além de não ter realizado outras compras, na época dos abates a propriedade atendia a todos os critérios socioambientais considerados no protocolo oficial (Boi na Linha): desmatamento, áreas embargadas, unidades de conservação, territórios indígenas e quilombolas e qualquer relação de trabalho em condições degradantes ou forçado. A empresa ressalta, ainda, que a unidade de Paranatinga não pertence mais à Marfrig desde março de 2019. Essas informações foram repassadas pela Marfrig à Mighty Earth em resposta ao relatório Mighty Earth´s Rapid Response – Cattle Report.

Para assegurar o cumprimento do protocolo, a Marfrig desenvolveu um sistema de geomonitoramento que avalia a conformidade das fazendas fornecedoras de acordo com tais critérios, checados antes de cada nova compra, de modo a identificar potenciais descumprimentos. Sempre que uma irregularidade é identificada, a propriedade é bloqueada até que a situação seja totalmente esclarecida. Como resultado desse monitoramento contínuo, a propriedade Fazenda Soberana encontra-se bloqueada, uma vez que o sistema da Marfrig detectou uma área embargada pela SEMA-MT (Secretaria de Estado de Meio Ambiente – Mato Grosso).

Do ponto de vista da rastreabilidade, a Marfrig antecipou, de 2030 para 2025, sua meta de monitorar 100% dos fornecedores indiretos em todos os biomas brasileiros. Neste momento, a Marfrig rastreia 100% de seus fornecedores diretos eaté junho de 2024, o Programa já atingiu 87% de rastreabilidade de indiretos no bioma Amazônia e 73% no bioma Cerrado, regiões estratégicas e de maior volume de animais fornecidos à empresa. São as maiores taxas do setor em controle de indiretos no Brasil. Além disso, todos os fornecedores indiretos localizados nas áreas de maior risco já estão 100% monitorados. Para nortear seu trabalho, a empresa desenvolveu um Mapa de Mitigação de Riscos Socioambientais, e um sistema de geomonitoramento, via satélite e em tempo real, que rastreia sua cadeia de fornecimento 24 horas por dia, assegurando a conformidade das fazendas fornecedoras de acordo com os critérios socioambientais da empresa.”

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