Raimundo Carlyle – A influência do efetivo policial militar na segurança do RN

Raimundo Carlyle, Juiz de Direito em Natal/RN.

 

O Mapa da Violência 2016[1] mais uma vez informa um aumento da violência, especialmente em municípios da região nordeste do Brasil, acarretando reflexões sobre variados aspectos da problemática do trinômio violência-criminalidade-insegurança pública. Um das variáveis investigadas neste texto será o tamanho do efetivo policial militar e suas consequências no aumento da criminalidade nos estados brasileiros, e, primordialmente, no Rio Grande do Norte, vivendo uma crise sem precedentes na segurança pública, cujo ápice foram ataques de facções criminosas ao sistema de transporte coletivo, prédios e veículos públicos e privados.

O tema, então, não é reiterativo por diletantismo, mas sim por uma real preocupação com a situação vivida de um exponencial aumento da criminalidade, especialmente a dita “organizada”, praticada pelas facções criminosas que se utilizam de verdadeiras táticas de guerrilha urbana, no desiderato de instalar o caos, desestabilizar a ordem social, fragmentar e dispersar a atuação das polícias e causar o máximo de danos possíveis com o fito de implantar o medo e o terror no seio da sociedade.

A reconhecida falência do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte, o clima de urgência despertado pelas redes sociais virtuais quando dos “ataques” dos criminosos, a cobertura quase apocalíptica dada pela mídia ao tema da insegurança, já foram tratados em textos anteriores (O medo nosso de cada dia, O combate à sensação de insegurança pública no RN, e o Falta-nos atitude!), recentemente publicados. Agora, o enfoque será na relação entre o diminuto efetivo policial e o incremento da criminalidade, além da sensação de insegurança pública inflada pelo visível descontrole do sistema penitenciário.

Dentre as muitas causas prováveis do aumento da criminalidade no estado do Rio Grande do Norte – uma escalada de violência iniciada em 2008, com aumento a partir de 2011, segundo levantamento produzido por consultoria especializada -, uma das mais citadas é a deficiência de efetivo policial militar, ou seja, os “ponta de lança”, os “guerreiros” em suas viaturas, o pessoal “fardado”, aqueles que patrulham ostensivamente, prevenindo delitos, impedindo a realização de crimes, enfim, os conhecidos “PMs”.

Segundo dados oficiosos, o RN conta com um efetivo policial de pouco menos de 8.400 pessoas, sendo que, apenas entre 1.300 a 1.500 PMs fariam o trabalho de rua em todo o estado, diariamente. Sabendo-se que a escala normal de trabalho é de 24×72, ou seja, 24 horas de trabalho ininterrupto por 72 horas de folga, teríamos um mesmo grupo de 1.300 ou 1.500 policiais militares trabalhando apenas 1 (uma) vez e ½ (meia) dentro de uma semana específica de 7 dias, aproximadamente.

Alguns eventos exigem maior atenção, sendo estabelecida uma escala de 12×36 (doze horas trabalhadas por trinta e seis de folga) para grupos de policiais, remunerando-se a carga horária com a diária operacional complementar. Efetivamente, então, teríamos entre 1.300 ou 1.500 PMs nas ruas dos 167 municípios, diariamente, em rodízio de 24×72 horas, ficando o restante do efetivo como pessoal administrativo, policiais cedidos a outros Poderes e entes públicos, em gozo legal de férias ou licenças etc.

Divididos igualmente cerca 1.400 PMs (média diária) por 167 municípios teríamos 8,38 policiais militares para cada um deles. Sabe-se que a Capital e a região metropolitana demandam cerca de 700 PMs/dia, ficando os demais distribuídos nas cidades do Interior. Assim, teríamos 700 divididos por umas 15 cidades, restando Natal com um maior número de PMs, e o Interior dividindo cerca de 700 policiais por 152 municípios, o que resultaria em 4,6 PMs para cada um deles. Não se sabe como foram realizados os cálculos que apontam para um (1) PM para cada 378 habitantes no RN, como publicado em 2015 nos jornais Mossoró Hoje[2] e DeFato[3] e na revista Exame[4].

Ora, não levando em consideração o pessoal administrativo ou de apoio de cada unidade policial militar nos municípios, mas apenas o “pessoal de rua”, e, excluindo-se o efetivo da polícia civil judiciária, esse seria mais ou menos o quadro atual do efetivo atuante e distribuído no estado. Tem-se conhecimento que apenas 10,3% dos municípios do estado contam com estruturas próprias de segurança pública, o que corresponde a meros 17 de um total de 167, sendo a proporção mais baixa do Nordeste.

Estudos internacionais apontam que, mesmo em países ricos como a Noruega, a média é de três (3) policiais para cada grupo de 1.000 habitantes. No RN, com cerca de 3,44 milhões de habitantes, teríamos um efetivo policial militar de 1 (um) PM para cada grupo de 409,5 habitantes, considerando-se o efetivo total de 8.400 policiais, o que resultaria em 3 PMs para cada grupo de 1.228,5 habitantes, também aproximadamente.

Estamos bem na média mundial, então! Porém, se for levado em consideração apenas o efetivo real que trabalha nas ruas, os números sofrem inevitáveis modificações. Vejamos. Sendo 1.400 PMs no serviço de rua para 3,44 milhões de habitantes, teríamos 1 (um) PM para cada grupo de 2.459 habitantes, ou seja, 3 PMs por cada 7.377 habitantes, uma média muito superior àquela dos 3 PMs por cada mil habitantes anteriormente citada.

Pelos dados do Censo Populacional 2010, e seguindo a média local de 3 PMs para cada grupo de 7.377 habitantes grosseiramente calculada, o Rio Grande do Norte, integrado por 96 municípios com populações inferiores a 10.000 habitantes, precisaria manter efetivo de até 5 PMs/dia nas ruas em cada um deles; mais 43 com populações até 20.000 habitantes, o que exigiria 8 PMs/dia cada um; 21 que precisariam de até 23 PMs/dia cada; e 4 com necessidade de até 40 PMs/dia, unitariamente; Parnamirim necessitaria de 99 PMs/dia; Mossoró de 117 PMs/dia; e, Natal, cerca 354 PMs/dia nas ruas, 24 horas, 7 dias por semana.

Somando-se pelo máximo de PMs exigidos por município, teríamos que possuir uma força policial militar de aproximadamente 2037 PMs/dia nas ruas (95×5:480; 43×8:344; 21×23:483; 4×40:160; 1×99:99; 1×117:117 e 1×354:354) todos os dias, em escala de 24×72, resultando em 8.148 policiais militares no rodízio de 4 dias (24+72). Ora, o efetivo total é de apenas 8.400 PMs!

Se colocarmos entre 10% e 15% do efetivo em atividades administrativas, sobraria menos zero (- 0) efetivo policial para operação de rua. Acresça-se 1/12 do pessoal que estará de férias e licenças todos os meses, e a conta negativa aumentará. Seguramente, não temos pessoal efetivo necessário no patrulhamento ostensivo, na “ponta” do combate ao crime, em todos os municípios do estado, 24 horas por 7 dias ininterruptos.

Sem solução? Aparentemente. Ainda que se mude a escala de serviço para 24×48, 12×36, 8×16… não teríamos o efetivo aumentado para dispor nas ruas, pois o número de PMs seria o mesmo, ou seja, 8.400 no total. Além disso, a diminuição das horas de folga da escala talvez esbarre na previsão legal do número máximo de horas semanais trabalhadas. Então, talvez a solução não esteja na mudança de escala, dado que o contingente atual, qualquer que seja a escala
utilizada não aumentará o número efetivo de policiais nas ruas, pois o revezamento em plantões de 24 horas exigirá sempre um policial/dia trabalhando.

Se mudarmos a escala para 12×12 continuaremos sempre a ter apenas um policial/dia trabalhando, mas agora esse policial muda de rosto apenas a cada 12 horas. Diante disso, salta aos olhos que, se não há margem financeira para aumento do efetivo, é preciso fazer com que o atual contingente seja mais produtivo. A única forma viável de aumentar o policiamento ostensivo com o atual contingente e a atual carga de trabalho (24×72) seria um esforço para diminuir os eventuais desvios de funções existente no corpo da PMRN, além de tornar sem efeitos as cessões de policiais aos poderes, órgãos e entes. Em resumo, ou aumentamos o contingente ou se faz um esforço para reduzir os desvios de funções.

Vencer a barreira do status quo na Instituição Policial Militar e a resistência já demonstrada pelos outros poderes, entes e órgão é o “gargalo” a ser enfrentado e vencido. Os policiais militares e civis do estado foram contemplados com vencimentos e reposições salariais que melhoraram infinitamente a condição salarial que perdurava no seio das organizações policiais potiguares. A remuneração ainda é insuficiente? A remuneração sempre será insuficiente para quem a recebe e vultosa para quem a desembolsa. No caso, o contribuinte.

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[1] http://www.mapadaviolencia.org.br/

[2] http://www.mossorohoje.com.br/noticias/5009/21-12-2015/RN-tem-maior-efetivo-de-PM-por-habitantes-do-Nordeste

[3] http://www.defato.com/noticias/51265/rio-grande-do-norte-tem-1-policial-militar-para-cada-378-habitantes-aponta-ibge

[4] http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-tem-deficit-de-20-mil-policiais-em-seu-efetivo