POBRES, POBRES DE MARÉ DESCI

Tomislav R. Femenick – Jornalista, Mestre em Economia, pela PUC-SP.

O Ministro da Economia – o doutor Paulo Guedes, graduado em Ciências Econômicas pela UFMG, com mestrado e doutorado, também em economia, pela Universidade de Chicago – certa vez reclamou: “Os ricos capitalizam os seus recursos. Os pobres gastam tudo”. Talvez, por um lapso de memória ou outra coisa qualquer, Sua Excelência tenha esquecido de um dos axiomas de sua área, que está em todos os manuais em que estudou: os pobres, por terem carência dos itens essenciais, têm a propensão natural de consumir tudo o que ganham para suprir suas necessidades prementes. Portando, não há como poupar.

Em artigo publicado recentemente, falei sobre os quatros Fatores necessários à produção de todos os bens e serviços (recursos da natureza, trabalho, capital e tecnologia), destacando que os dois últimos são os mais importantes para as sociedades modernas. Na oportunidade, ressaltei a importância da tecnologia na geração de valor agregado. Isto é: na alavancagem de valor dos recursos naturais e do trabalho. Hoje, porém, vamos tratar do Capital.

Em ciências econômicas, o entendimento do que seja Capital vai além da compreensão comum, segundo a qual “capital é dinheiro”. O Capital tanto pode estar em forma de recursos financeiros, como de bens de produção. Ambas as formas do Capital representam o resultado de uma atividade produtiva anterior (que utilizou alguns recursos de produção), para a obtenção de determinado bem ou serviço, o qual não foi consumido. Se um agricultor plantar e colher melão e, ao vender essa mercadoria, não gastar com consumo o dinheiro recebido, o resultado da sua atividade será uma espécie de “congelamento do trabalho passado”, para consumo posterior ou para comprar novas terras, mais tratores etc. Enquanto seu dinheiro estiver aplicado no banco, ele será Capital Financeiro; quando comprar terras, tratores, etc., estes bens serão Capital Produtivo. Reafirmando: todo Capital é o resultado de um trabalho passado, que tem como destino a aplicação no mercado financeiro ou se transformar em bens de produção. Uma terceira alternativa seria o agricultor armazenar sua produção, esperando um melhor preço para a sua mercadoria. Portanto, Capital é o estoque de recursos (riqueza material) de uma sociedade, em uma determinada data.

Não custa repetir: a) Capital Financeiro é o resultado da produção, enquanto permanecer em forma de dinheiro, circulando na sociedade, é um estágio intermediário entre a produção e o uso efetivo da produção – entretanto, o dinheiro somente assume a forma de Capital Financeiro quando aplicado de forma temporária no sistema produtivo, por meio de empréstimos repassados pelo sistema bancário, porém perde essa função, quando guardado em casa ou no bolso; b) Capital Produtivo, ou Bem de Capital, é todo objeto construído pelo homem, visando utilizá-lo na produção de outros bens ou serviços – pode ser um machado, um computador, um prédio de uma escola e suas cadeiras e outros equipamentos de ensino, uma estrada, um porto, um torno mecânico, um martelo etc., além de matérias-primas estocadas, produtos semiacabados e produtos prontos, porém ainda não comercializados; ou seja, é um instrumento ou um resultado da produção.

Por sua vez, o Capital Produtivo é dividido em duas outras categorias, quais sejam: a) Capital fixo, que é todo Capital em forma de meios de produção, tais como prédios, maquinarias, equipamentos, estradas, portos, rede de águas etc., também chamado de Ativo Fixo; b) Capital de giro, que se apresenta como os estoques de matérias-primas e de bens e serviços, em qualquer estágio de produção.

Depois dessa extensa digressão, podemos chegar ao amago do problema: nós somos uma sociedade composta predominantemente por pobres e, por isso, gastamos quase tudo o que ganhamos e não temos condições de acumular capital para investir na produção de novos bens e serviços, para atender às nossas necessidades de consumo. A solução encontrada até agora é importar capital do exterior, via empréstimos tomados junto aos bancos estrangeiros ou via investimentos diretos de empresas de outros países. Resultado: pagamos juros e lucros e continuamos “pobres, pobres de maré desci”. Ah, existe uma pequena parcela de “ricos, bem ricos”, pois, além de tudo, somos uma sociedade desigual, onde poucos têm tudo e a maioria pouco ou nada.

 

Tribuna do Norte

Natal, 29 de agosto de 2021.

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