PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXCV) – Clauder Arcanjo

Colóquio com a loucura

Foto: “Loucura”, de Marcão Melo.

O senso da noite fugiu nas águas escuras da escuridão.

— O que me trouxe aqui?

Ninguém me responde, apenas o silêncio monta guarda junto à porta semiaberta.

Uma leve lufada bate a porta, e pressinto que ficou, cá no vento, um bafio de medo. Arranco os lençóis, mas não me livro desta agonia represada dentro de mim, muito menos deste espanto sem direito a grito.

A carne me cobra o agir dos músculos, porém os nervos não atendem ao chamado das mensagens da razão.

Com pouco mais, descrente e entregue, reúno forças e levanto-me, mas caio no fundo, bem no fundo de mim, para me banhar de suor, abandono e degredo.

— Quem me trouxe aqui?

 

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Quem ontem nos julgava loucos, hoje nos aplaude como criativos. A loucura está na moda.

 

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Quando distribuiu os seus bens, frutos da exploração e da ganância sem limites por toda a vida, os demais abastados condenaram-no. E, mais que depressa, classificaram-no como louco.

 

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— Por que tu imaginas que as estrelas te acompanham? — indagou-lhe o mestre.

— Simples. Porque toda vez que eu caminho de volta para casa… elas estão a me acompanhar, lá no céu.

— Interessante! Mas tu não achas que isso é muita presunção da tua parte; ou seja, as constelações te seguirem por onde andas? — devolveu-lhe o mestre.

— Aprendi na vida, apesar de me julgarem insano, que de quem eu gosto adora me seguir. E sempre aplaudo quem me acompanha.

 

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No dia em que o endoidaram, Santiago Lapada levantou-se às 5h30m da manhã para esperar a jangada em que chegava seu pai. Tinha sonhado que ele atravessava o oceano de grandes ondas onde caía uma chuva fina, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de lágrimas de luto.

Seu pai nunca voltaria, apenas ousara enlouquecer a sonhar com a volta do amado pai, e com a prosa anunciada do mestre Gabo.

 

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Quando se apresentou como ferreiro, não lhe confiaram a forja. No dia em que se ofereceu como carpinteiro, não lhe deixaram com pregos, formão, serrote, nem prumo.

Cansado, sentou-se na esquina a mirar o horizonte. Depressa muitos se aproximaram a sondá-lo:

— Qual a sua vocação?

E ele caiu numa gargalhada de espantar o sono (e o juízo) da província.

 

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Em casa de orates, os ricos exóticos são julgados excêntricos; os pobres, loucos varridos.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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