Pílulas para o Silêncio (Parte CXCIII) – Cláuder Arcanjo

Clauder Arcanjo*

Foto: Silêncio (Marcão Melo).

 

Levara semanas argumentando, esclarecendo, levantando razões, derrubando boatos, consertando mal-entendidos.

Cansado, sentou-se à beira do rio e viu-se a navegar no silêncio dentro de si. De repente levantou-se, passou as mãos firmes pela roupa gasta, como se espanando-a da poeira dos gritos, e saiu calado da cidade. Dentro de si, o silêncio e uma certeza afônica: só com o tempo os provincianos entenderiam.

 

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Quando ele chegou, sem os gritos de costume, ela cuidou logo de serenar-lhe os ânimos. Um homem fechado em si é a prova cabal de fúria homérica e iminente, disso bem sabia.

 

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Certos homens não suportam o mergulho no silêncio. Tais águas são revoltas e revelam a tibieza dos que professavam a condição de determinados e valentes.

 

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— Qual caminho devo seguir: o da direita ou o da esquerda? — indagou o jovem sonhador ao velho que mascava um silêncio de profundezas.

— Para onde tu queres ir, meu filho? — indagou-o.

— Só sei que quero partir. Preciso fugir desta terra de poucas oportunidades! — bradou o caminhante, solerte e presunçoso.

— Qualquer um deles então te servirá, filho. Pensei que tu querias saber qual aquele que te conduziria mais depressa para voltar a ti.

O rapaz sacudiu um protesto inconfessável no colo do velho, julgando-o deveras maluco.

 

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— Quantas vezes terei que calar? — indagou o aprendiz.

— Ah, algo como setenta vezes sete… — professou o mestre.

— Mas, senhor, isso já estava escrito na Bíblia!

— Sim, realmente. E para que, então, tu vieste aqui?

 

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A juventude precisa de tempo para entender a paz dos recolhidos. Bem como necessita de muitas primaveras para colher o silêncio sábio e puro, extraído da colmeia do outono dos dias.

 

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Quem planta promessas ocas no ventre da miséria colherá o broto espinhoso do repúdio, a germinar no colo da estéril falácia. A sapiência, filha augusta da serenidade, repudia os semeadores de fanfarras.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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