PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CXCI)

Clauder Arcanjo*

Fotografia “Mater Dolorosa”, de Marcão Melo.

Diário da Quarentena VIII

Em memória de Dona Mosinha

 

Quando ela pôs os pés no terreno níveo do Além, uma comitiva a esperava.

Como estavam todos de branco, até imaginou que era Ano-Novo no Céu.

— Mosinha!… Como você demorou a vir, minha querida Zilete!

— Eu jamais tive pressa em fazer minhas coisas, comadre. “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou…”, bem nos ensinou Eclesiastes. E quem sou eu para ir contra os ensinamentos do Livro dos Livros?

A comadre que a saudara engoliu com candura a resposta. E falou, para seus botões divinos: “Mosinha e suas tiradas elegantes!”

De repente, o anjo Gabriel tocou sua trombeta, dando um susto na nova convidada.

— Pensei que era o pistom do meu vizinho, tentando tirar uma nota que seja do coitado do seu novo instrumento. A vizinhança torce mais pela vacina para se ver livre desse aprendiz de corneteiro do que para banir a pandemia do Ceará.

Pouco depois, com sua barba comprida, Pedro abre-lhe os braços:

— Seja bem-vinda, filha de Deus!

Antes de se aproximar do santo responsável pelas chaves do Paraíso, Mosinha fez questão de registrar:

— Se fosse ele um dos filhos meus, amigos e amigas, eu já tinha providenciado o corte dessa barba. Que coisa! Ou aqui estão mantendo isolamento social também?

O Céu caiu — ou seria subiu? — numa risada festiva. Sobremodo feliz com a chegada na Casa do Senhor daquela bendita filha de Cristo.

 

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Quem parte leva lembranças, quem fica guarda a saudade, nunca a tristeza, do bem que a nós deixou.

Certas despedidas deveriam ser saudadas com uma salva de palmas, seguida dos gritos de “Bravo, bravo!…”. Jamais pelo desespero, muito menos pelo choro.

 

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Ficará o teu sorriso estampado na sala, os teus passos cordiais a caminharem na varanda, a tua voz macia a dizer a teus herdeiros: “Que Deus os abençoe, e os guarde na Sua paz!”

 

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No mais velho, o nome do esposo, Edmílson. No segundo, Raimundo, a rima que Drummond evitou, mas que Mosinha bem gerou: “Tive um filho que se chamava Raimundo e, para mim, foi a solução”. Em Luiz Cláudio e Eduardo Augusto, a dor de seguirem para o Senhor antes dela. E nos braços de Paulo Sérgio, a candura do diálogo.

Fica um muito de Mosinha nos atos dos seus filhos. A beleza, o riso na comissura dos lábios. Em cada neto, neta, bisneto, bisneta, a sinceridade altaneira e cordial. E, em todos, a dignidade, herança maior de uma mulher elegante, pacificadora e guerreira do bom combate.

 

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— Se fores ao mar, joga nas ondas uma rosa! — pediu ao Edmílson.

— Se fores ao sertão, agua um botão em Aracati! — solicitou ao Raimundo.

Ao anoitecer, Paulo Sérgio, a brigar com os lençóis, ouviu, na sua voz macia:

— Dorme, meu menino. Tu precisas descansar.

Os três se levantaram, e perceberam, na estante da sala, a família a sorrir na moldura do quadro. Luiz Cláudio e Eduardo Augusto, ladeados por Edmílson, o pai, e Mosinha, a mãe, como se na eterna paz angelical.

 

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— Mimosa, como sempre! — concluiu o amado Edmílson Sobreira Caminha, ao recebê-la com flores celestiais. Ele, sisudo, mas apaixonado.

— E os nossos dois meninos, estão por aqui? — indagou-lhe Mosinha.

Nem foi necessário respondê-la, pois ela recebeu um abraço triplo como resposta.

— Comportem-se. Estamos na casa do Pai.

 

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Encontrei a definição para o infinito: o tamanho do coração de uma mãe.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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