PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXXXIX)

Clauder Arcanjo

Por um verso perdido

Dormi, nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo o que é bonito é absurdo — Deus estável.
(Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas)

O retrato antigo na parede marcada pelos anos. A mobília coberta pela poeira do abandono.
Ao abrir a porta do quarto, o Poeta ouviu o lamento de uma musa que partira há anos sem lhe revelar a dádiva da poética graça.
Sentou-se no leito e chorou, em dorido silêncio, por um verso perdido.
Lá fora o luar, altaneiro, aguardava-o para a vigília perene do indecifrável.

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Tentou traduzir o instante e se viu com a voz embargada. Buscou sublimar a palavra e se deparou com o abraço do nada.
Atônito, entregou-se ao vagar do tempo; e, só então, o verbo beijou-lhe os lábios túrgidos. Vida est!

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O velho bardo me orientou, serenamente:
— Não insista com os teimosos. Além de serem avessos aos argumentos, muitos deles o tempo os torna fanáticos. E contra o fanatismo, meu caro, a razão é desmemoriada.

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A pétala cai, a rosa lamenta, e o chão sorri.
A vida, em seu ciclo contínuo, transforma a dor em húmus.

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Atrás da janela cerrada, um olhar espia a tarde.
Enquanto o sol declina, aquele olhar se inclina sobre a calçada, e a noite anuncia mais uma estação da saudade.

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Não venha ver o porvir vestido de pessimismo e de olhos fechados. Antes do novo há de haver a antevisão do imaginado.

“Acontece de se acordar à noite
e jogar depressa umas palavras
sobre o papel mais próximo, no canto de um jornal
(palavras irradiam sentido!)
mas pela manhã: a mesma palavra não diz mais nada,
rabisco, mal dita.”
(Tomas Tranströmer, em Mares do Leste)

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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