Pílulas para o Silêncio (Parte CCXLII)

Clauder Arcanjo

Noite longa de um dia longo

Há menos sono no mundo agora, as noites são mais longas e mais longos os dias.
(Stefan Zweig, em O mundo insone)

Enquanto a cidade dorme, eu mastigo a minha insônia. Pedras incômodas, ferrugem nos dentes, lembranças persistentes.
Levanto-me e as estrelas não me socorrem. O horizonte se cobre de um cinza alinhado com o meu estado de espírito.
Na estante os livros, calados, como se silentes e ágrafos. Tento lembrar de um poema romântico, daqueles líricos e derramados; mas, constato, a poesia não atenderá às minhas súplicas.
Volto ao leito e tento celebrar um armistício com a solidão insone.

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Não me iludo com o tempo, muito menos com o fim. Não aprecio a chuva, porém, no verão, torço por uma chuvarada. Não gosto dos livros que tenho, contudo os guardo como os mais leais companheiros. Irrito-me com a melancolia, enquanto, na madrugada, enlaço com o seu corpo frio, ao sabê-la como última companheira minha.

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Um exilado de Licânia me confidenciou:
— Levei minha província na mente; em especial, nos olhos, no paladar e em tudo que me cheirava a sertão. Saudoso, resolvi retornar para reencontrar tanta beleza. Quanta desilusão! Aquilo que eu carregava na memória não existia mais no meu chão.

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Se algo te assombra, saibas que a vida ainda pulsa dentro de ti. Aquele que não mais se assusta abdicou do sopro (susto) do viver.

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Tanta tinta gasta com livros medíocres. Tanta filosofia professada por mestres ineptos. A meritocracia cedeu sua morada para acampamento dos néscios.

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A palavra pediu passagem ao silêncio. Este, prevenido, cerrou-lhe as portas e exigiu-lhe mais tempo.

Somos ora artistas da palavra ora artistas do silêncio, e aperfeiçoamos essa arte ao extremo, disse ele, nossa vida se torna interessante na exata medida em que somos capazes de desenvolver tanto a arte da palavra quanto a arte do silêncio.
(Thomas Bernhard, em Mestres antigos)

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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