Pílulas para o Silêncio (Parte CCXIII) – Clauder Arcanjo

(“A incredulidade de São Tomé”, de Caravaggio).

“A glória não pode trazer alegria a quem a roubou: ela só faz palpitar os espíritos dignos dela.”

(Gógol, em O retrato)

 

Quando, desperto, Silvikov percebeu que seu nariz havia saído para caminhar, levantou-se e resolveu segui-lo. Mas, ao abrir o guarda-roupa, deu pela falta do capote.

— Já vi tais histórias antes! — confidenciou ao espelho.

— Não sei de nada, apenas lhe sei responder que você é o menos fantástico dos homens, Silvikov.

Sem perder mais tempo, Silvikov abriu a porta da frente, ganhando a rua. Logo desconfiou, no entanto, de que era seguido.

— Elementar, meu caro Silvikov. Companheiro Acácio, o Sherlock Holmes de Licânia, resolveu dar o ar da graça.

Na primeira esquina, Simão Bacamarte interrompeu-lhe os passos, a indagar, shakespeariano:

— Há algo de podre no reino de Licânia?

— Meu reino por um nariz e um capote, doutor Bacamarte! — exaltou-se.

“Mais uma vítima da literatura!”, concluiu o notável alienista, enquanto conduzia Silvikov à Casa dos Mortos.

 

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— Se eu conquistar Constantinopla, herdarei o mundo!

— Estou deveras satisfeito com o meu império, Sultão Mehmed.

— Nenhum louco se satisfaz com tão pouco, Augusto César.

E cuidaram de cair no sono, com receio de serem interrompidos por Gênghis Khan, um mongol que dividia com os dois a mesma cela.

 

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Narcísio Nômio observava seu mundo a partir das gêneses dos tempos. Quando criança, acreditava que o Serrote da Rola fora conquistado pelos babilônios. Ao entrar na puberdade, jurava que o rio Acaraú fora navegado pelos fenícios. E, ao conhecer as areias escaldantes de Licânia, concluiu que os hebreus estiveram por aqui.

Narcísio só se aquietou ao se ver subjugado pelo poder da sua Artemísia.

 

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Zeulino jura que dormiu na tenda de Artêmis e acordou nos braços de Palas Atenas. O problema foi que, no meio da noite, confundiu-se (nunca fora bom aluno de mitologia) e chamou-a de Minerva.

Mal raiava o dia, quando Zeulino foi novamente apresentado à fúria de Juana, a própria esposa, guerreira que o tangeu para fora de casa com a sua espada: o cabo de uma velha vassoura.

 

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O melhor barqueiro do mundo é aquele que confia tanto nos seus dotes de navegador que despreza o aprendizado da natação.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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