PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCLXXVII)

 

                                                                 Clauder Arcanjo*

 

(Décio Torres Cruz)

 

Confidências a Décio

Paisagens diurnas

 

A estrada se encompridou,

o silêncio pousou sobre nossos ombros,

e cabisbaixos percorremos o caminho de volta à cidade.

 

Nessa longa estrada, em que os caminhos se bifurcam e ressurgem infindos, cada vez mais doridos, Décio, são os silêncios nos redemoinhos das memórias nas noites espichadas que me consolam o caminhar. Na esperança de que, perdido ou não, o acaso me tanja de volta à minha província natal.

 

E agora, tão longe no tempo.

O que ainda temos em comum

que valha um vintém?

 

***

 

A espera de um telefone que não toca

Uma voz que não soa

A distância

A ausência

O desejo de estar perto

O desejo do desejo.

 

Não sei explicar minha revolta com tamanha parcimônia minha. Levo horas e horas entretido pelo fio da solidão, a esperar uma voz que não me chama.

Sei que ela está muito longe, distante; e o meu desejo, Décio, de estar perto da minha musa, me consola e me basta. Neste deserto de silêncios e desejos contidos.

 

Tudo hoje soa com um tom de despedida

de uma possibilidade perdida.

 

***

 

A felicidade duela com a tristeza.

Nunca há um empate.

Nesta estação de chegadas e partidas

e impossível combate.

 

Saberei disso na próxima estação. Na saída, com os olhos baixos, colhi a tristeza, ao deixá-la tristonha sem meus abraços.

Quando retornar, Décio Torres Cruz, na chegada ainda não prevista, o tempo haverá de nos brindar com o cálice da felicidade?

 

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Paisagens noturnas

 

prelúdio

 

Esse vento que vem de longe

traz um eco de distância.

Esse vento que vem de longe

me lembra que há muito viajei

e não parti.

 

Cremos, poetas viandantes, que nas veredas em que transitamos, levando a ração diária da lembrança, ouvindo as reminiscências nos acompanharem na ventania da solidão, a viagem não sai do porto. Como se, quando mais nos afastássemos, mais criássemos raízes com o nosso chão.

 

Em que onde

Em que quando eu me perdi?

Em que busca ainda me encontro

Em que canto me encanto

Em que encontro me iludi?

 

***

 

E cada estrada é um corte na terra,

uma longa viagem, uma grande dor.

Cada estrada é uma estranha saudade

de todos os caminhos por onde for.

 

— Mas não me prometeste, Senhora do Destino, a ventura nos braços do amanhã? Em vez da alegria, tão somente um flanar pelas veredas, sem bússola nem timão.

Cada estrada é uma promessa em si, que se alastra per se. Sem direito a reclamação.

 

O que importa nessa noite

é a lembrança de um passado

que um dia construiremos.

 

***

 

intermezzo

 

Em algum lugar distante

da alma

a saudade é eterna companheira.

 

Em algum recanto, próximo ao solitário coração, tua saudade me compraz, leal companheira.

 

Ao longo do rio há sempre um vale,

Há sempre um vale ao longo do rio.

Ao longo do vale há sempre uma estrada,

Ao longo da estrada há sempre uma casa.

E dentro dela sempre mora

Alguém nem sempre feliz

Quando outros rios, vales e estradas,

Sonha descobrir.

 

***

 

finale

 

A dor de se ter sem nunca a si ter

A vontade de ir e nunca vir

Geram o medo de não ter medo.

 

Esta dor final, em que o final ainda não se deu; em que a vontade maior é o que chegar, nem que seja por milagre, aconteça. E, no fundo, o medo de que, antes da chegada, me faltem as forças; e, vítima da vontade, eu pereça.

 

E a noite choveu estrelas…

 

Fonte: trechos em itálico do livro Paisagens interiores, de Décio Torres Cruz (São Paulo: Editora Patuá, 2021).

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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