PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCI) – Clauder Arcanjo

Foto: Olhos de despedida, de Marcão Melo.

A casa era pobre; o pasto, fraco; a renda, pouca; a precisão, enorme.

Resisti, mas tomei a decisão de sair. Migrar para terras outras, em busca de sustento.

Expliquei tudo a elas: esposa e duas filhas.

— Voltarei logo, será melhor.

Fingiram me entender, pois quando travei a tramela da porteira e resolvi olhar para casa: a mulher já se trancara, e os olhos das meninas, no longe, sofriam com a minha despedida.

 

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Genário Belo passou o dia com o relho na mão, marcando os passos do janota Ariosvaldo Tarquínio. Sabia de um namoro antigo entre ele e a sua esposa. Coisa de fogo e fúria, nas palavras dos mais velhos.

Na noite alta, ouviu um barulho junto à cerca. Não contou até três, saiu de casa em passo acelerado e… desceu o relho no lombo do “desgraçado”.

— Respeita a calha alheia, seu condenado! — esbravejou.

A esposa, aflita, intercedeu:

— Você está louco, homem de Deus?! Vai acabar matando o nosso único burrico, Genário!

 

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Matilde sofria com a nova idade. A mocidade lhe trouxera sangue na menstruação e uma precisão nas carnes. Esta só se abrandava, um pouco, quando ela se entregava toda ao fogo de Batista Louzada.

 

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Parou junto ao hospital. Sabia que seu pai estava ali. A lembrança da separação entre os dois doía-lhe nos ouvidos da lembrança.

— Se ele tivesse sido mais…

Calou-se. Pediu informações e rumou para o quarto indicado.

Mal entrou, a voz do velho, sofrida, recebeu-o:

— Se você tivesse sido mais… — calou-se.

E expirou.

 

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Rezava como um santo, agia como um negociante e amava como um pecador. Era tido como um cidadão exemplar na pequena vila praieira.

 

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Escrevia seus ataques em letras garrafais com a tinta do ódio, apesar de sua coerência ser tão diminuta quanto um grão de areia.

 

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A idade já lhe tomava o equilíbrio. As mãos trêmulas, o passo cambiante, a vista curta. O que não perdia a firmeza em Dona Pastora da Conceição era a firme vigília à vida alheia.

— Isto é o fim do mundo, minha gente! — exclamava, antes de declamar seu cordel de fuxicos.

 

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Notou que os olhos dela lhe acompanhavam. Na tarde seguinte recebeu um bilhete.

Uma semana após ele anunciou em casa que viajaria, sem data para voltar.

Mês depois retornou sozinho. Na boca sofrida, uma lástima:

— Condenada!

 

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Confúcio Barata se aproximou dos ritos orientais porque sabia da origem chinesa dos antepassados de Li-Hua Neves.

Nos bilhetes, Confúcio tentava se declarar em haicais. Nas orações, preces a Buda e uma singular adesão ao taoísmo.

Quando Li-Hua fugiu com o vaqueiro Delmiro Casto, Confúcio Barata, desolado, ficou sabendo que ela adorava as tradições nordestinas, que vivia a recitar os cordéis encantados, ao tempo em que se confessava uma fervorosa seguidora do Padre Cícero Romão Batista.

 

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Nunca tente ser esquimó em terras em que o sol é notório imperador.

 

Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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