Pílulas para o Silêncio (Parte CCCLXVII)
Clauder Arcanjo*
(Escultura Pietà, de Michelangelo)
Carta à mãe
Carta à mãe
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 2024.
Queria o calor dos teus braços, mãe, mas me encontro distante. Aqui os lençóis não têm o teu cheiro, muito menos o afago do teu abraço.
Nesta cidade grande e impessoal, ouso saudar os transeuntes na rua, porém poucos me respondem. Como se um bom-dia representasse uma aproximação perigosa. Não te preocupes, continuarei fazendo o que bem nos ensinaste: tratar a todos com respeito e educação. Aquela tua máxima, “São filhos de Deus, únicos, e só por isso, meus filhos, merecem o nosso respeito”, ressoa sempre em meio aos meus atos.
Queria hoje, nestas horas em que me sinto tão triste, ouvir a tua palavra meiga, dizendo-me: “É puro, é santo, é milagroso e é bom!”. Fecho os olhos e transporto-me para junto de ti, mamãe, para a rua Mateus Mendes, 75. Deves estar agora na tua cadeira em Santana, rezando terços para que Maria guie os nossos passos.
Ontem, entre uma prece e outra pelos meus, não consegui conter as lágrimas. O mundo nos afasta e parece que seguiremos cada vez mais distantes um do outro. Na infância, papai nos colocava no seu jipe e seguíamos para a fazenda Eldorado. Os atoleiros eram a nossa odisseia, e torcíamos para o motorista não vencer o caminho. Carro atolado era sempre motivo de alegria para nós. Poderíamos descer, apreciar a aventura de retirar o veículo da lama. Enfim, nos verdes anos até a derrota se tornava festa.
Jantei a culinária da cidade grande, no entanto a vontade era me servir do teu café com leite, acompanhado de pão e manteiga. Deitei-me e pedi a tua proteção. Sem falar que roguei pela intermediação, junto aos céus, do nosso saudoso pai, o bom Zequinha, e de minha sogra, dona Cleyde. Confesso, minha querida Djanira, que eu preciso de vocês, não devo ter lá muito crédito junto ao Senhor.
Dormi a custo e, em plena madrugada, vi-me presa de um pesadelo atroz. “Deus do Céu, Pai Todo-Poderoso, afasta de mim esse cálice!”
Levantei-me, lavei o rosto e vi-me no espelho do quarto do hotel. As olheiras denunciavam a minha terrível aflição.
Voltei para a cama e, em posição fetal, abraçado ao travesseiro, imaginei-me no teu regaço. Piedade.
Somente assim serenei e dormi.
Nossa Senhora, me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino
Nossa Senhora, me dê a mão
Cuida do meu coração
Da minha vida, do meu destino
Do meu caminho
Cuida de mim
— A tua bênção, mãe!
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.