Para compreender a violência

Michel Wieviorka busca esboçar uma teoria da violência baseada na noção de sujeito. Neste sentido, dedico este breve texto como comentário a sua teoria, fundamental para pensarmos o fenômeno inquietante e complexo. Há no autor citado, uma preocupação pelos protagonistas da violência, aqueles que cedem a ela, praticam-na, instalam-se nela e saem dela. Uma teoria que preocupa-se também com as vítimas, que a violência visa, atinge e afeta direta ou indiretamente.

Para ele, o sujeito “é a capacidade de construir-se  a si próprio, de proceder a escolhas, de produzir sua própria existência. (…) É a capacidade de engajar-se e também de desengajar-se. E só existe sujeito no reconhecimento do sujeito no Outro, na aceitação da alteridade. (…) Só existe na capacidade de viver relações” (p. 203).

Aqui se concebe o sujeito como categoria abstrata, que encontra na ação sua realização concreta mais importante. Sua hipótese é que a violência é, com frequência, em parte ou originalmente, a marca de um sujeito contrariado, interditado, impossível ou infeliz.

Wieviorka visualiza na frustração uma causa possível para a violência, na medida em que uma pessoa ou grupo se vê privado ou interditado ao acesso a bens ou a reconhecimentos simbólicos legítimos (como em Pierre Bourdieu, temos aqui a percepção da importância da luta simbólica pelo reconhecimento).

A violência explode quando há numa negação da pessoa como sujeito, sensação dolorosa para muitos grupos sociais. Essa negação da subjetividade leva a uma sensação de injustiça e revolta. Daí porque muitas vezes a violência se voltar contra instituições que representam esse status quo.

Quando o sujeito pode participar ativamente de conflitos (relações estruturadas de maneira mais ou menos estável e durável), os atores tendem a abrir um espaço de discussão e debate, assim como buscar uma ruptura das relações de força, mas sem violência (daí o exemplo do movimento operário). Quanto mais os atores “são capazes de conduzir uma ação, ao mesmo tempo defensiva e contra-ofensiva, menos se voltam para condutas de violência, destruição ou autodestruição” (p. 207).

O espaço da violência é bem mais vasto que o do conflito, onde, certas manifestações de violência, ou certas significações em ação nesta ou naquela experiência de violência, podem exprimir a fraqueza do conflito, seja por não estar constituído ou por estar em crise. A violência pode ser também vista como um elemento fundador do conflito ou mesma do sujeito.

A violência leva a uma perda do sentido, principalmente quando se descamba na crueldade. Seu uso instrumental é o terror (como o terror de Estado, ou outros). Não é a toa que racismos extremos e genocidios são a ruptura total do sentido e do sujeito. Mas são os processos sociais que condicionam esses momentos e não um certo determinismo cultural.

Por fim, as vítimas podem e devem ser pensadas também no estudo da violência. Pois “são sujeitos mais ou menos atingidos em sua integridade física ou moral, privados parcial ou inteiramente, pela violência, de uma capacidade de construir sua existência” (p. 219).

 

Bibliografia

WIEVIORKA, Michel. Para compreender a violência: a hipótese do sujeito. In: Em que mundo viveremos?Tradução de Eva Landa e Fábio Landa. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 201-223.

 

Thadeu de Sousa Brandão
Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais
Professor Adjunto IV do Departamento de Ciências Humanas do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas da UFERSA
Docente Permanente do Mestrado Acadêmico em Cognição, Tecnologias e Instituições (PPGCTI/UFERSA)
Coordenador Acadêmico do Observatório da Violência – OBVIO/RN
Consultor Ad Hoc – Comissão Segurança Pública e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4736200P7