A arte não está a serviço de uma ou outra ideologia, não atende partidos, não admite fronteiras. Ela é resultado e condição da nossa vida em sociedade, marco da civilização e a tradução mais precisa da identidade de um povo em seu espaço e seu tempo.

Enquanto o resto do mundo reconhece a importância da arte e acolhe os artistas atingidos pela pandemia, no Brasil somos alvo de reiterados ataques e desmandos.

O descumprimento, por parte do poder público, das leis e regulamentos do setor desrespeitam e inviabilizam nosso trabalho, nossas empresas e nossas instituições.

Para além da falta de apoio em meio à crise, sofremos há quase 17 meses nas mãos de gestores incapazes de conduzir a Secretaria de Cultura e de fazer valer o que determina o Artigo 5º da Constituição de 1988:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Ainda pior do que a falta de políticas públicas para o desenvolvimento da Cultura no Brasil, nos atinge brutalmente o discurso de ódio por parte de representantes e apoiadores do atual governo. Estamos diante de uma gestão cruel e disfuncional que tenta nos matar a qualquer custo, seja de fome, de doença ou desgosto.

Como podemos sonhar com um país mais desenvolvido e mais justo se ainda temos que dizer o óbvio para defender os princípios básicos da civilização?

A ministra Carmem Lúcia, em audiência pública sobre Liberdade de Expressão realizada no STF em novembro de 2019, afirmou: “Censura não se debate, censura se combate”.

É isso. Censura, tortura, racismo, homofobia, golpe, ameaça, assassinato, violência doméstica, grilagem, queimada e corrupção não podem ser tema de debate. Não há lado a escolher quando se trata de crime e um terço da população brasileira ainda não entendeu isso.

A grande pergunta é: onde estão os outros dois terços?

Se é verdade que nosso grito indignado muitas vezes alimenta o monstro que queremos combater, nossa omissão e nossa desunião certamente o fortalecem ainda mais. Falhamos como sociedade e somos todos responsáveis pela eleição de um presidente sem partido, sem educação, sem dignidade, sem competência, e sem caráter.

Esse governo vai acabar. Já acabou. Mas o que vem depois? Não temos ainda uma alternativa, um plano, um projeto viável de país. Não temos.

Precisamos deixar as pequenas disputas de lado. Há um mal maior a ser combatido. Como disse Martin Luther King, “O que me preocupa não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons”. E me preocupa mais ainda o grito dos bons contra os bons.

A polarização entre esquerda e direita é hoje uma falsa dicotomia no Brasil. Estamos perdendo tempo e escolhendo errado os nossos inimigos.

É hora de formar uma frente realmente ampla e democrática para combater o genocídio, a milícia, o fisiologismo e a ignorância. É hora de entendermos o nosso papel e a nossa responsabilidade como artistas e como cidadãos.

Trancados em casa há mais de dois meses, sem previsão de trégua, só nos resta fazer barulho, reunir a parte sensata da população e pressionar os demais poderes da República para tentar conter a barbárie.

Precisamos nos reaproximar da política e contribuir para que a sociedade civil possa se organizar e responder de maneira mais madura e eficaz aos crimes e desmandos de qualquer governo. Precisamos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança. Precisamos chegar juntos a 2022 mais conscientes e capazes de fazer uma boa escolha nas urnas.

Carolina Kotscho é presidente da Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA), roteirista da TV Globo e escreveu os filmes ‘Hebe’ e’ 2 Filhos de Francisco’, entre outros.