O Riso Acima de tudo e de todos!

Gutenberg Costa – Escritor e folclorista

Dizem que quem vive rindo é muito mais feliz! No genial romance medieval do Umberto Eco, soube-se que rir era pecado. A alegria era coisa do demônio. Foi preciso aparecer um São Francisco correndo e dando risadas entre os pássaros e animais para que a tristeza ficasse com o diabo e a alegria com Deus.  O capeta quer todo mundo chorando e Deus nos quer rindo. Assim acredito. Tem gente que nunca riu na vida e outros que riem até de suas desgraças. Com alegria se engana até a morte. Já, vivendo com a tristeza, esta vem buscar-nos bem ligeirinha feito chamada de Uber.

Alguns tipos populares que encontrei em minhas andanças diziam que a tal da desgraça só presta se for bem grande. Pouca, a danada não serve de nada. Sabemos muito bem que a vida comporta alegrias e tristezas. Algumas pessoas em cidades grandes e cheias de analistas, depois de certas situações aflitivas, perdem o riso para sempre. Essas, se enfurnam em seus apartamentos e até fazem a viagem final bem amofinados e cheios da grana no moderno e atualíssimo PIX.

Já as que povoam as pequenas comunidades, mesmo diante dos maiores problemas, abrem a porta para o riso fácil e encontram saídas para tudo. Jogam tudo no pilão, pisam e o resultado vira humor para suas sobrevivências. O saudoso amigo padre e escritor cearense, Antônio Vieira, contou-me uma comparação de um desses que não acreditava nos milagres da recém criada Sudene e dissera ao religioso o que dela achava: “Padre, essa Sudene aí é como peito de homem, só vai servir para enfeite!”. E outro religioso, o nosso santo Monsenhor Expedito da cidade de São Paulo do Potengi/RN, não só perdoava as perguntas e respostas engraçadas do seu povo, como ria muito com eles: “Quem não tem paciência e felicidade, não rir com o povo, amigo Gutenberg!”. Sei desde criança, que o povo simples é demasiadamente sincero, alegre e muito feliz!

Quando fui chamar a atenção de Zé Doido, de Patu/RN, que bebia cerveja, cachaça e vinho trazidos pelo garçom em uma só caneca, este me convenceu de imediato: “Pra que separar, professor, se vai mesmo tudo pra um só lugar…”. Tem razão o Zé Doido, não devemos complicar e levar tudo a sério nessa vida tão passageira. Ele mesmo já viajou de jumento a ultra leve. Bom corredor em lajedo e sem saber o que diabo é consulta com psicólogo.

Todos nós, pelo menos uma vez na vida, passamos por desgraceiras. O genial escritor Euclides da Cunha, já dizia que o sertanejo é, antes de tudo, muito forte. Forte que só o fumo de Abdias. Alegre que só pinto perto de lixo. Uma fortaleza que aguenta todo tipo de tranco das maldades humanas. Sofre e, quando bate a porteira, vai indo em frente dando gargalhadas para quem ficou atrás. Só depois de andar nas feiras é que percebi que os analistas e psicólogos não ganham dinheiro dos feirantes. Esses doutores nunca ouviram suas histórias e piadas em seus divãs.

 

As mazelas do povo são degustadas com alegria, cachaça, farinha e oração. Nem a morte escapa de suas zombarias e histórias. O povo simples e pobre tem humor a flor da pele. No Nordeste, mais ainda. Quando escapa de algo sinistro diz logo aos vizinhos: “Escapei fedendo!”. O povo mais alegre do mundo é o nordestino. Basta a gente ler os livros do amigo Armando Negreiros, entre outros. Santo remédio para as moderníssimas tristezas do século XXI.

Lembro sempre do divertido e saudoso amigo Veríssimo de Melo, o qual me contava em nossos encontros as peripécias do natalense Zé Areia, que ao ser advertido sobre a sua cachaça podia lhe levar ao cemitério do Alecrim, esse bebendo em um bar da Ribeira, vendo um féretro de uma criancinha, anjinho como se dizia antigamente, teria disparado aos presentes as diferenças: “Tá aí, só bebia leite!”. Todo encontro que eu tinha com o mestre Vivi, voltava para casa com o meu repertório recheado de histórias de Luiz Tavares, Roberto Freire e Zé Areia, entre outros.

Meu compadre de fogueira Celso da Silveira era a alegria e o humor em carne e osso. Nossos telefonemas terminavam em gargalhadas antes dos celulares. Era um humorista nato que ao viajar trazia montes de histórias engraçadas: “Compadre fui a Tibau ali pertinho de Mossoró e perguntando a um sujeito se a melancia que ele estava comendo era doce, este logo disparou: É tão doce, que eu estou comendo e bebendo água junto!”. E quando o tal Paulo Coelho, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, este me fez um comentário imediato: “Compadre, fique certo, que toda Academia tem que ter um Paulo!”. Até em suas críticas, o saudoso Celso usava de seu humor tão aflorado.

 

 

O Bob Motta, era outro que me alegrava em seus encontros com suas histórias. Triste é a gente se topar com quem só conta misérias e só fala em doenças.

Sei que fazer rir é coisa muito séria e é muito recomendada pelo meu cardiologista mossoroense Doutor Rafael Negreiros, o qual é irmão do já citado Armando, exímio contador de histórias alegres. Quando chego no ocupadíssimo consultório do citado Rafael, não saio sem umas três histórias do Padre Motta. Aquele religioso e prefeito mossoroense, o qual inventou alegria e honestidade no poder municipal na terra de Santa Luzia, me desculpem os outros políticos. Os três citados, são mossoroenses.

 

 

Outra de Mossoró, que tinha alegria na veia, ao invés de sangue era a Miryan Maia. A saudosa amiga quando me encontrava logo me repassava as dos outros e as suas também: “Gutenberg, um dia uma mocinha em um dos meus lançamentos de livro me pediu um deles gratuitamente e eu me saí com esta na bucha: Minha filha, esse livro vendido já dizem que não vale merda, imagine se for de graça eu dando a todo mundo!”. A divertida Miryan já se foi e não nos deixou substituta até os dias atuais, de suas coletas de histórias populares da Paraíba ao Rio Grande do Norte!

 

 

Já o poeta cordelista, o Luiz Campos, de Mossoró, amigo de muitas histórias vividas e contadas pelo próprio em vida, sempre aos risos e sem reclamações: “Você sabe que o médico que me condenou à morte dizendo que eu estava com uma cirrose, já morreu faz tempo. E só bebia café e leite, viu, amigo Gutenberg!” Um dia o mesmo saindo de um internamento hospitalar e já com fome, recebeu a visita de um grupo religioso em seu quarto de enfermaria: “Viemos trazer a palavra do Senhor!”. E ouviram a reclamação sincera de Luiz Campos: “Eu estava até animado com a chegada de vocês, porque pensei que iam trazer guaraná com bolachas doces!”. Esse, sem cerimônia e segredo algum, me fez um convite ao meio dia em sua casa: “Você vai comer uma fava que eu preparei no fogão de lenha. Não mandei o botijão de gás acabar justamente hoje!”. Tenho histórias alegres do mestre Luiz, as quais dariam para encher um livro bem volumoso. Viveu com pouco, mas muito rico e feliz com seu humor e paciência invejável. Não morreu de enfarto fulminante com dinheiro no bolso, como muitos que conheci. Marcou sua vida sem reclamações ranzinzas, que em nada se leva. Preferiu carregar em seu embornal, a santa poesia e as amizades boas.

E eu também vou indo nesse trem. Prefiro as amizades alegres dos pobres do que os endinheirados tristes e miseráveis. Digo mais, nem me lembro dos que se foram sem dar risadas e me causarem alegrias. Confesso, que não os guardo em minhas memórias, nem sonhando. Ficam esquecidos os ingratos e os tipos que vieram espalhar tristezas e misérias no mundo.

Um dia, o velho amigo de saudosa memória, poeta popular Zé Saldanha, que morou muito tempo em Natal e sempre viveu com bom humor e fazendo poesias, me reclamou pelo telefone de uma furiosa gripe, assim com seu vernáculo próprio do tempo de minhas bisavós: “Amigo Gutenberg, estou muito ruim com um defluxo da mulesta. Já tomei tudo quanto foi cachete e essa desgraceira não sai de meus couros. Estou aquartelado há muitos dias. A pobre da tipoia já está suja e cansada”. Quando contei essa história, a minha filha mais nova na chegada ao mundo, esta disse-me não ter entendido patavina. Aí fui traduzir um pouco para a menina que riu muito do palavreado de matuto: Defluxo é uma gripe pesada. Cachete, comprimido. Aquartelado é o sujeito preso em casa. Já tipoia, a rede. A característica do matuto é alegria em tudo e o sábio Zé Saldanha, se auto proclamava um matuto acima de tudo! Matuto amigo e alegre!

Esqueci de perguntar a dona Estela se, durante meu nascimento na então Policlínica do Alecrim, ao invés de chorar, não teria rido. Vindo pelas mãos do médico, mangando das parteiras que trouxeram meus irmãos ao mundo. Aqui dou total testemunho de que minha mãe era a pessoa mais alegre do mundo e exímia contadora de histórias engraçadas do povo de sua Pendências. Portanto, tenho a quem puxar. Adoro festas e conversas e raramente vou a velórios e hospitais.

Só dou um conselho aos meus poucos leitores e leitoras: se afastem dos invejosos e tristes.  Eu mesmo, já adoeci com um aperto de mão de uma figura assim, que é melhor guardar segredo e esquecer pra sempre!

Mês do Folclore. Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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