Raimundo Carlyle – O macho alfa e a vaquejada

Raimundo Carlyle, Juiz de Direito em Natal/RN

 

A recente decisão do STF considerando que a prática da vaquejada fere dispositivos constitucionais surpreendeu os amantes das pistas e trouxe à luz muito mais que apenas a intolerância com o secular esporte nordestino. À baila também vieram questões relativas ao tradicional machismo, vulgarizado nas músicas, estilo de vestir, modo de falar, comportamentos sociais.

Os psicólogos afirmam que homens se sentiriam mais homens na direção de um veículo, segurando o cabo de uma arma, ou sobre o lombo de um cavalo, reminiscências de um período que remontaria à idade das cavernas. É a tese do macho alfa que vigora entre os animais selvagens na disputa por territórios e fêmeas. Talvez seja um exagero.

Atualmente, segurar um aparelho celular, manusear um joystick de videogame, sustentar um “pau de selfie” parece ter se tornado ainda mais relevante que os cacoetes anteriores, sendo atos mais unissex.

Segundo a Wikipédia, a vaquejada é uma atividade recreativa e competitiva com características de esporte, oriunda do Nordeste brasileiro, na qual dois vaqueiros (o batedor de esteira e o puxador) montados em cavalos têm de alinhar o boi e conduzi-lo ao objetivo (duas faixas de cal na pista do parque de vaquejada), onde o animal deve ser derrubado (“valeu boi” ou “boi na faixa”).

Bastante popular até o momento, a vaquejada passou a ser questionada por ativistas dos direitos dos animais em virtude dos maus tratos aos bois, que muitas vezes têm o rabo arrancado ou sofrem fraturas nas derrubadas.

Em decisão proferida em 6 de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional uma lei cearense que procurava disciplinar a modalidade esportiva como um evento cultural, sob o argumento de que tais manifestações populares não se sobrepõem ao direito de proteção ao meio ambiente (art. 225, CF).

A vaquejada virou negócio. Originada das festas de apartação, das pegadas de boi no juremal, das corridas de mourão, os bolões de vaquejada passaram a ser um negócio de muitas cifras, gerando toda uma cadeia econômica em torno da tradição festiva.

Dizem que cerca de 20 mil pessoas trabalham na atividade e 5 mil caminhões são utilizados nas festas populares de “pega do boi” fora da caatinga no Nordeste, agora praticada em pistas macias, com vaqueiros substituindo o encouraçado gibão e perneiras anti-jurema por luvas de neoprene e coletes de kevlar.

Os sons estridentes dos alto-falantes gritando o “valeu o boi” somados às musicas sertanejas, estilo Brasil country, e bebidas alcoólicas em demasia nas barracas, agressividade a flor da pele e violência latente, completariam o quadro festivo.

Os cavalos esporeados para dar o máximo de desempenho e os bois quebrando pernas e maçarocas nunca foram levados em conta pelos praticantes e fãs do esporte.

É correto afirmar que vivemos em um país em que a evolução cultural se dá muito mais através de leis e decisões judiciais do que pelo sentimento popular de mudança. Portanto, o problema talvez não seja a vaquejada em si, mas a ambiência cultural nacional.

Resta saber se a prática do esporte em propriedades privadas, apenas por diversão, sem premiação, sem compra de senhas, sem locação de gado, sem o profissionalismo do negócio, como ocorria nos sertões do passado, aqueles da paixão atávica de Eloy de Souza (1873-1959), violaria a decisão do STF.

No mais, sem mérito nem demérito, é uma boa oportunidade para se repensar o tema do uso de animais na prática de esportes – radicais ou não – como se fez com os bichos de laboratório, alguns usados em pesquisas médicas e farmacêuticas e outros para suprir a indústria da beleza e da moda, servindo de cobaias para testes de novos produtos.