O Fantasma de Licânia (Parte XIX) – Clauder Arcanjo

Para o meu eu leitor

(porque preciso ler um bom capítulo)

 

Quase não volto. No entanto, por cima de pau, de pedra e de falta de vontade de escrever, aqui estou. Confesso, perante Deus e os homens, que, por menos de um fio, deu-me uma enorme vontade de pôr fim a esta ridícula novela detetivesca, tal não foi meu estado de decepção “escrevinhativa” com o desfecho do capítulo anterior.

Onde já se viu um herói, supremo ídolo encarregado de desvendar o mistério de um fantasma provinciano, enredado nos lábios de mel de uma suposta fantasma?!… Tendo, como berço da sua paixão, logo o interior de um velho guarda-roupa de pensão?!…

Não, amigo leitor, isto foi demais para este pretenso escritor. Quando abracei as letras, depois de sopesar vantagens e desvantagens de tal ofício seguidas vezes, sabia-me, a partir do meu batismo literário, um escravo do verbo, um servidor da palavra, um arauto do bom estilo, um pedreiro das construções telúricas, românticas e líricas. O mundo de Cervantes, de Stendhal, de Machado de Assis, de José de Alencar, de Rachel de Queiroz, de Carlos Drummond de Andrade, de Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, de Edgar Barbosa, de Martins de Vasconcelos… desfilava frente aos meus licanienses olhos, que a feiura não há de comer.

Você me diz que a vida é feita de altos e baixos, assim como a literatura?!… Sim, eu sei (apesar de achar tal construção muito chinfrim), mas, nesse meu caso, não é uma questão apenas de ponto baixo, não sei se me entende. Porém, sim, de jogada baixa, resvalando para o pântano infecto da falta de ética de um personagem com seu criador. A revolta (sem causa) de uma criatura contra o seu criador.

Sem motivos, diga-se de passagem. Sem o menor motivo. Tratei-o com a máxima decência literária. Ofertei-lhe o melhor de mim, dei-lhe o néctar das supremas “escrevivências”, valendo-me de um título do mestre Dércio Braúna. Para quê? Diga-me para quê? Para ser apunhalado pelo grafite literário nas minhas provincianas costas.

Pede-me calma?!… Ora, calma. Pedido de calma numa hora como esta recende a covardia.

E por que voltei?!…

Voltei porque sou um tolo pelas letras. Voltei porque acredito que devo respeito à minha meia dúzia de leitores. Voltei porque sou viciado em literatura. Ah, literatura!… Não sei viver sem você, e, por você, venho sofrendo poucas e boas.

Contudo, deixemos tudo para lá. É hora de voltarmos ao mundo do Fantasma de Licânia! Ou da Fantasma de Licânia, sei lá.

Não quero mais saber de polêmicas. Já tergiversei demais, voltemos ao miolo da novela. Ao caroço do texto, estou cheio das cascas e com nojo do entulho verborrágico.

Pois muito bem, pois muito bem. Onde me encontrava mesmo?! Não sabe e não quer saber?!… Ora, seu leitor vira-lata, e eu dando tudo de mim para perdoar tantos pecados, e você, tal qual um vingador, a trucidar de tão augusta novela.

Voltemos algumas páginas. Deixe eu me orientar. Humm… Releia comigo esse trecho do último capítulo: “No entanto, caro leitor, quando o pequeno rádio da cozinha encheu o ambiente com ‘lábios que beijei, mãos que eu afaguei…’, nosso herói levantou-se, abriu os braços em direção ao velho guarda-roupa do quarto grande e… caiu no choro. Pranto farto, dorido e sem tréguas. Enfim, o nosso herói estava totalmente apaixonado.”

Deixemos nosso herói nos braços de Eros, e não conspurquemos a paixão.

Na outra semana, voltarei, refeito e pejado de novidades.

“Lábios que beijei, mãos que eu afaguei…”

E eu, ao fim e ao cabo, nem acabei escrevendo um bom capítulo! Ah, paixão, tu acabaste com este texto. Ou o salvaste?! Sei não.

Deixemos assim. A vida é palco para mistérios mil, e o seu rio corre por vales indecifráveis.

Aqui para nós, odeio essas minhas construções com perfumes melodramáticos, um palmo de um gato das chamadas de autoajuda.

Bom domingo.

 

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]