O alienígena (Parte XXV)
Clauder Arcanjo*
Fanny, o Cachorro Favorito, de James Ward
— Parem! Estamos fugindo em direção ao ponto em que fomos atacados, lembro bem — disse Das Dores.
Todos pararam e ficaram tal qual uns perdidos em meio à caatinga.
— E para onde corremos, meu Deus? — Cabo Jacinto perguntou.
— Se o nosso homem da lei não sabe, imaginem eu! — arrematou Zé Aguiar.
Das Dores, com receio de que, além do medo, a pane se instalasse entre os fujões, interveio:
— Calma, gente! Vamos pôr a cabeça no lugar. Se um de nós fosse o alienígena, qual seria a sua próxima jogada?
— Em se tratando de jogo, com a palavra Baltazar do Bozó — respondeu, ironicamente, Paulo Bodô.
O Goiaba riu, em contundentes latidos de troça e zombaria:
— Au, au, ih, ih, au, au…
— Este cachorrinho está mais assanhado do que qualquer um de nós poderia imaginar. Canis est hominis amicus maximus? — filosofou João Américo, o protofilósofo de Licânia.
A dama do Caneco Amassado pediu silêncio. Em seguida, recolheu-se para um descampado próximo. Lá, após o alívio da bexiga, pensou, pensou e, ainda com a saia levantada, gritou:
— Aprendi com um maluco da Baixa Fria que remédio para doido é doido e meio. Vamos nos armar. Se o inimigo nos atacar com uma pedrada, como somos em número de sete, devolveremos com sete estilingadas.
— Senhora Das Dores, não me inclua nesta luta. Por princípio, sou um adepto da não violência — anunciou João Américo.
Incomodado, Cabo Jacinto devolveu:
— Todo pensador é, antes de tudo, um frouxo!
O cachorro Goiaba, entre latidos de galhofa, gania e rolava no chão:
— Au, au, ih, ih, au, au… ih, kkk…
João Américo atirou a primeira pedra.
— Cain… cain… Au, au, ui.. Cain…
— Bem-vindo ao mundo real, seu João Américo. Fez muito bem em renunciar a esse… — Das Dores não conseguiu concluir a sua argumentação, visto que uma pedrada caiu próximo aos pés dos sete combatentes.
— Agora é guerra! — gritou João Américo, enquanto desfechava o primeiro ataque.
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Faço aqui uma pausa. Necessária e, acreditem, pejada de dor. Explicarei.
O protofilósofo de Licânia, indivíduo totalmente desacostumado ao universo das brigas, ao invés de lançar uma pedra… pegou foi o coitado do Goiaba pela cabeça magra, arremessando-o em direção ao que julgava a frente de batalha dos inimigos.
— Au… Cain… Cain… Au, au, ui.. Cain… Ai, au…
O pobre animal ficou preso no alto de um juazeiro, entre os espinhos afiados, lamentando-se de sua sorte canina:
— Au… Cain… Ai… Au, au, ai… Cain… Ui, au…
Das Dores, de pronto, levantou a bandeira branca, exigindo uma trégua para a recolha dos feridos no primeiro embate.
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Deu-se aí a primeira baixa: Goiaba, ferido e agonizante, descansava sobre um leito de folhas secas, a courama mais furada do que consciência de mau sujeito.
— Bravo cão! Quando do seu enterro, deveremos, em honra a tão valoroso soldado, dar uma salva de pedradas — anunciou o Cabo Jacinto.
A proximidade de tão macabro destino fez com que Goiaba se levantasse com uma rapidez que a todos causou espanto, com um laivo de satisfação.
No final da noite, todos comemoraram a saúde do Goiaba:
— Vaso ruim não quebra!
— Licânia, minha gente, é terra onde cão é bicho de sete vidas!
O estalido na mataria próxima revelou sinais de preocupação.
— Quem vem lá? — interrogou Cabo Jacinto Gamão. — Se não falar logo, verá com quantas pedradas um bicho vai para a sua cova! — gritou.
— Vocês se esqueceram de mim, seus bostas!
— Lucas San, que bom revê-lo. Fique certo de uma coisa: tudo foi falha do narrador desta noveleta. Ele somou errado o número dos personagens do capítulo anterior. Contou-nos como sete, quando, na verdade, éramos oito — explicou João Américo.
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Engraçadinho. Pois eu acertarei as contas no próximo capítulo. Ficarão apenas sete, pois darei cabo ao seu destino. E que fim terrível você terá, filósofo de meia-tigela!
— Auuuuuuu… Rá, rá, auuuuuuu… Uuu…! Kkk… Rá, au, kkk…
Goiaba latia entre uivos de alegria e vingança.
Fatum philosophi iactum est!
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.