O alienígena (Parte XXIV)
Clauder Arcanjo*
Estandarte do Jacauípe XIX 03, de Juraci Dórea
— Cabo Jacinto? Cabo Jacinto?!… Levante-se!
— Ahn… Ein… Onde estou? Quem é você?
— Calma, Cabo Jacinto Gamão! Você foi atingido por uma… Ei, alguém ainda nos ataca. Atenção, homens de Licânia, deem-me cobertura — ordenou João Américo, escondendo-se por detrás do avantajado corpo do representante da lei.
Nesse exato momento, outra pedra atingiu o tronco do Cabo. Este, mais do que imediatamente, protestou:
— Não me tome como sua barricada, combatente égua! — dando um empurrão no protofilósofo de Licânia, que saiu catando chão até quase uma dezena de metros.
Zé Aguiar e Paulo Bodô, refeitos da última imersão etílica, perceberam a aproximação de alguém. De início, julgaram como ser fruto da ressaca.
— Estou vendo coisa, ou a cana de ontem estava batizada, Bodô?
— Você está vendo o mesmo que eu, Zé Aguiar? Se não for uma visagem, ou delírio nosso, parece com o vulto de uma dama.
O Goiaba começou a latir, festivo. Como fizera troça com os presentes, imitando o som do suposto alienígena, ninguém deu crédito ao novo anúncio canino.
Em seguida, uma estilingada atingiu o Goiaba, fazendo com que ele ganisse de dor e medo, afastando-se para a parte mais distante do serrote.
— Socorro, socorro! — ouviram todos.
— É a Das Dores, gente. E está ferida?! — gritou Baltazar do Bozó.
— Eles estão bem armados, e… — falou a Dama do Caneco Amassado, desmaiando em seguida.
— Rápido, tragam aqui uma dose dupla daquela pinga melhor, a que guardamos para o dia da vitória — ordenou João Américo.
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No final da noite, todos se postaram em volta de Das Dores, a ouvi-la:
— Lançaram pedra sobre nós com uma fúria que eu, na minha profissão de administradora de bordel, só havia visto na estrovenga do Crispim da Bolandeira.
— Tenha modos na sua narrativa, minha senhora! Trata-se de uma questão de segurança pública. Status primus, sexus secundus — admoestou-a João Américo, enquanto os outros riam baixinho, a se lembrarem da presença religiosa e contrita do pequeno Crispim, e sua amada esposa, diante da procissão de Sant’Anna.
— Cada um usa a língua que melhor domina, seu João Américo. Ou falarei do meu jeito ou…
Lucas San, diplomático, interveio:
— Ouçamos a nossa principal testemunha. Não é hora de veleidades linguísticas. Continue, Dona Das Dores.
Das Dores empinou a voz e costurou o seu relato, equilibrando-se entre o linho do real e a seda do fantástico.
Todos atentos, de olhos esbugalhados pelo medo e de boca entreaberta pela curiosidade do que se seguiria.
Novo latido de Goiaba. No entanto, esse foi recebido ainda com mais menoscabo.
— Engraçadinho. Vira-lata de uma…
Uma pedrada acertou em cheio o cocuruto do Lucas San, que se calou, caindo nos braços de Das Dores.
— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…!
Na sequência, novo latido do Goiaba. No tom mais alto de todos os pavores caninos.
Goiaba subiu para o colo de Das Dores. Esta, pressentindo o risco, jogou Goiaba e Lucas San no chão do Serrote da Rola, enquanto anunciava:
— Gente! De pau nunca tive medo, mas de pedra quero é distância.
Nova pedrada zuniu sobre a cabeçorra do João Américo. Num inesperado acento poético, ele ainda propagou, antes de sumir:
— In summo itinere lapis erat.
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— E este ataque, Clauder Arcanjo?
— Só sei que nada sei, leitor. Ô novela maluca! Nem os deuses do Olimpo salvarão esta minha historieta.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.