O ALIENÍGENA (PARTE VIII)
Clauder Arcanjo*
Pintura Cabaret, de Edgar Degas.
O namoro entre Madame Brizolete e o detetive Robertão Social na Praça do Poeta teve que ser interrompido no capítulo anterior por força maior. Melhor seria afirmar: por medo maior.
“Do narrador, que fique bem claro!”
Pelo jeito, com essas frequentes intromissões do leitor, terei que mudar o rumo da prosa. Assim o farei.
E os incomodados que se retirem! Mas que voltem logo, pois narrar para o vazio é coisa desenxabida.
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Enquanto isso, no Caneco Amassado, lugar onde o amor era mercadoria fácil, todos os aposentos estavam ocupados. A ausência dos licanienses, devido à fuga para o Serrote da Rola, parece que tornara a libido ainda mais assanhada quando do retorno. Alguns pesquisadores de sociedades médicas secretas divulgaram que o medo incentiva a produção de testosterona, e o que antes era quase morto ressurge das cinzas sexuais com uma potência indescritível.
Deixemos tal prosear não recomendado para menores de dezoito anos e sigamos.
Pois muito bem, o prazer se revelava no Caneco Amassado com uivos e gritos libidinosos. Alguns octogenários, que já se imaginavam aposentados para a labuta com Eros, amavam como se jovens garanhões.
— Assim você me mata…
— Matá-la-ei, minha Camaleoa.
“E onde esse velhote tirou tal mesóclise, Clauder Arcanjo? Não me diga que o pavor melhora o aprendizado da língua pátria?”
Não vou dar cabimento a mais esse enxerimento seu, leitor desgraçado, você quer tirar a minha concentração fabulativa. Antes que me esqueça, vá à merda! Prosseguirei.
Pois muito bem, esse foi um dos diálogos menos assanhados.
No salão do prostíbulo, as meninas nunca haviam presenciado uma lotação tão grande. Quartos lotados, e fila de espera. Entre um xote e outro, as agarrações eram contidas pela gerente do cabaré:
— Aqui é lugar decente. Respeitem as moças!…
O velho Antenor, mouco como um poste, gritava a plenos pulmões:
— Aproveita, Gibraltar! Isso não acontece todo dia.
— Hein, hein… Tu não é mais de nada, Antenor! — devolvia.
— Gibraltar, Deus retira a sustança, mas não tira a lembrança. Ô coisa boa!
E o riso espoucava entre os presentes.
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Zé Cleto, incomodado com as notícias que vinham do Caneco Amassado, ele, que após uma cirurgia de remoção de um tumor na próstata tornara-se um eunuco, cuidou de acabar com a festança. Seguiu em direção à Praça do Poeta e denunciou ao casal:
— Madame Brizolete e senhor Robertão Social, acabei de receber uma informação ultrassecreta.
— Desembuche logo, senhor…
— José Cleto, ao seu dispor.
— … senhor José Cleto. Se a denúncia for falsa, você vai sentir nos bagos a amolada “que-ri-di-nha” — anunciou Brizolete, mostrando-lhe o cabo de madrepérola do seu punhal.
Zé Cleto, que nomeara o seu instrumento de “um chaveiro entre as pernas”, disparou:
— No Caneco Amassado. O tal do alienígena é chegado a uma saia. Se forem lá, acredito, pegarão o dito-cujo com as calças arriadas.
— E como sabe que o cabra usa calças, seu Zé Cleto? Por acaso o senhor já viu alienígena nu? — interrogou Robertão Social, revoltado por ter sido interrompido quando as carícias com Brizó estavam no bem-bom.
Madame Brizolete Hernandes recompôs-se e, depressa, convocou o seu parceiro para a investigação no Caneco Amassado:
— O dever nos chama, o amor pode esperar.
Chegaram ao cabaré de mansinho. No primeiro quarto, uivos:
— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
— Aqui está ele — comentou Brizó.
Na porta do segundo, ouviram também:
— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
No terceiro:
— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
— Meu Deus, então é mais de um! — concluiu Robertão.
Como não estavam preparados para tantos alienígenas, os dois recuaram, a fim de pedirem reforços.
— …uuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…
Fico por aqui. Vou reunir coragem para a narração do próximo episódio.
— Auuuuuuu… uuu…
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.