O alienígena (Parte V)

 

Clauder Arcanjo*

 

Os companheiros do medo, de René Magritte.

 

Uma semana sem notícias.

No céu de Licânia, apenas o voejar agourento das corujas. De vez em quando, a paz (se é que se pode intitular de paz aquele medo enorme que esvaziara o chão da província) se via marcada por um choro miúdo.

“De quem seria?”, vocês, tementes leitores, me perguntam.

Sinceramente, não saberei dizer, nem tenho coragem para investigar. Os últimos acontecimentos exauriram o pequeno bornal da minha coragem.

“Confiamos em você, escritor Clauder. É hora de convocar sua inspiração e colocar em cena um dos seus heróis!”

Nem adianta me darem corda, seus safados. A última vez que engoli corda… quase que passei desta para uma melhor.

De repente, o choro se torna mais audível.

“Deve vir daquela casa da esquina. Vá até lá! Pode ser alguém precisando de sua ajuda, Arcanjo!”

Ô raça de leitores persistentes que fui arranjar, minha Mãe do Céu. Vou, então, escalar o Gazumba para ir até lá:

— Gazumba, é chegada a hora de você se transformar no maior herói desta narrativa. Siga até o local de onde vem esse chorinho e…

Antes que eu concluísse, o personagem caiu em pranto:

— Mamãe, mamãe!… Buááá… Buááá… Nunca tive (nem nunca terei) coragem alguma. Isso deve ser truque do tal alien…

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Corremos todos rua afora (eu, o Gazumba e até vocês, leitores enxeridos).

 

& & &

 

Recuperados da primeira crise de pânico do dia, voltei a insistir com outro dos meus personagens. Desta vez, recorri ao Cabo Jacinto Gamão:

— Cabo, como leal servidor da lei, você já deve ter enfrentado cangaceiros, meliantes, assassinos… e tudo o mais. É o momento de você colocar mais uma medalha nesse peito corajoso, homem! Vá lá e desvende o mistério desse maldito choro!

Cabo Jacinto Gamão até que tentou reunir forças para tal empreitada. No entanto, dois passos dados… dois passos recuados:

— A questão é o sobrenatural. Gosto de enfrentar coisa de carne e osso. Mas quando se trata de alma ou de alieníge…

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Em carreira desembestada, metemo-nos na mata fechada. Nem as urtigas brabas fizeram diminuir a nossa velocidade. Cabo Jacinto apresentou fôlego de maratonista.

 

& & &

 

Extenuados, paramos num descampado, uma espécie de capoeira. No céu, algumas nuvens ralas e a companhia dos urubus.

Horas depois, tomei novo rumo. “É mais do que chegado o momento”, pensei, “de convocar o protagonista desta história: o Robertão Social. Ele fora concebido com a marca de célebre (e célere) investigador.”

— Robertão, mostre a que veio! Levante essas calças, saia de cima desse toco, e vá mais do que depressa a Licânia. Na casa da esquina, junto à Matriz de Sant’Anna, ouvimos um choro baixinho. Alguém sofre lá, e um detetive do seu naipe…

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Robertão Social, que sofria há dias de uma diarreia de fundo psicológico, saltou de onde estava (oh, salto bonito!). E, ao tocar os pés no chão, livrou-se das calças e da cueca, disparando a toda velocidade no rumo das ventas.

Em solidariedade, corremos juntos: eu, você (que está rindo da minha narrativa) e quem mais estiver nos lendo agora.

 

& & &

 

“E como você vai resolver isso, Clauder Arcanjo?”

Eu não sei! Meu reino por um herói!

Na semana que entra, a gente…

— Auuuuuuu… Auuuuuuu… uuu…

Anjos e arcanjos, salvem-me!

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

 

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