O alienígena (Parte III)
Clauder Arcanjo*
O Império das Luzes, de René Magritte.
A prefeitura, com sede provisória no Serrote da Rola, enviou Gazumba, disfarçado de ninja, para a cidade de Sobral, a fim de solicitar reforço no combate à assombração que tornara Licânia uma cidade despovoada.
Uma semana depois, Gazumba retornou na companhia de um sujeito de cabelos e barba brancos sempre assanhados, olhar percuciente, jeito de quem desvendara o último mistério do espaço sideral.
— Muito prazer, seu prefeito.
— Prazer, senhor…
— Robertão Social, ao seu dispor.
— Muito bem, senhor Robertão. O caso é que Licânia está infestada de visagens.
— Exagero seu, prefeito — tentou argumentar Gazumba. Ele que, no intuito de limpar a poeira da garganta, já entornava a terceira dose da cachaça serrana do Bar do Edir.
— O assunto em questão não lhe diz respeito. O trato aqui é de interesse público e requer sigilo oficial. E bem sabemos que língua de bêbado não tem freio. Cuide de se retirar do meu gabinete — ordenou o chefe da municipalidade.
Gazumba, já de orelha quente, disparou:
— Gabinete é meus ov…
Com receio da coisa desbancar para a bagunça, Robertão Social, de olho em um novo contrato, serenou os ânimos, mudando o rumo da conversa:
— Preciso de detalhes.
E puxou da caderneta, anotando os fatos que marcaram os últimos dias da província.
Pouco depois, Robertão pediu silêncio aos presentes e recolheu-se no ponto mais alto do serrote. Alguns membros da oposição afirmam que para lá seguiu tão somente para aliviar os gases intestinais que o afligiam; os da situação viram em tal atitude evidentes sinais de quem procura captar as ondas holísticas do indecifrável.
Ao cair da tarde, Robertão solicitou o preparo de um chá à base de pião roxo:
— Fundamental para intensificar a nossa percepção extrassensorial! — defendeu perante meia dúzia de pinguços alucinados.
A infusão foi preparada e servida, entre uma pinga e outra. Meia hora depois, um grito, uníssono, levou aquela legião de pretensos investigadores para o matagal.
De lá ninguém colheu nada de misterioso. Melhor, apenas ouviram os estampidos de flatulentos intestinos, seguidos de gemidos horrorosos.
— Ai, ai, mamãe. Prometo nunca mais beber nada — jurou Gazumba, contrito após o nó arrochado que apertou suas tripas no momento de uma das benditas cólicas.
— Esse filho de uma égua jura assim porque é órfão de mãe — esclareceu João Américo, sempre sapiente.
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Na manhã seguinte, de tripas limpas, os humilhados foram exaltados. Explico. Robertão Social elogiou a abnegação dos seus assistentes, explicando em seguida:
— Quando temos o intestino sujo, a visão é turva. Todo investigador que se preza reconhece este meu primado investigativo. Plenum intestinum, visio pauperum.
E o capítulo se encerra por aqui. Por uma citação em latim nem o alienígena de Licânia (muito menos o narrador) esperava.
Deem-me um tempo, incrédulos leitores. No próximo capítulo, eu voltarei com coisas mais macabras. Fui.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.