Ney Lopes: “DOIS PAPAS” E VARGAS LLOSA”

Ressalvada a escalada de crise no Oriente Médio, o ano começou bem. Edificantes “exemplos e estímulos” podem ser extraídos de dois fatos recentes.

O lançamento do filme “Dois Papas”, baseado no livro do produtor e roteirista neozelandês, Anthony McCarten, dirigido pelo paulista Fernando Meirelles (Netflix).

A lúcida entrevista do laureado escritor peruano Vargas Llosa (prêmio Nobel 2010), concedida ao “Estado”. A propósito, cabem algumas análises pontuais.

O drama biográfico “Dois Papas” envolve os Papas Bento XVI e Francisco. Exalta as virtudes da tolerância, perdão e auto perdão. O árduo desafio do filme foi a busca, pelos dois papas, de um bem maior, a respeito do qual pudessem concordar.

O alemão e o argentino colocam-se como sacerdotes em polos opostos, representantes de duas alas distintas, de uma Igreja em conflito,

Bento XVI acredita que a Igreja é uma instituição para conectar o homem com Deus e conduzir as pessoas no plano espiritual como autenticas testemunhas da fé.

Francisco, com formação jesuíta e progressista, encarna os sentimentos do Papa Leão XIII, que em 1891 escreveu a Encíclica “Rerum Novarum”, o primeiro passo na construção da Doutrina Social da Igreja, que favoreceu movimentos católicos comprometidos com a evolução da sociedade. Em 1991, João XXIII, com a “Mater et Magistra”, consolidou esse compromisso da Igreja com o social.

O filme narra concepções dramatizadas e imaginárias entre os dois Papas, mas que refletem o verdadeiro pensamento deles.

O “grande momento” é o diálogo humano na Capela Sistina, quando os Pontífices fazem confissões recíprocas. O alemão se penitencia da omissão nos casos denunciados de pedofilia. O argentino admite ter se aproximado da ditadura argentina para salvar sacerdotes das torturas, sem ter sido conivente com os déspotas.

O diálogo resulta na busca do convencimento mútuo, através da construção de “pontes”, numa hora em que muitos pensam em construir muros.

Outro momento edificante é Bento XVI anunciando à Francisco o seu afastamento do Papado. Em mais de dois mil anos de história da Igreja, apenas três Papas haviam renunciado.

A grandeza humana é revelada na frase de Bento XVI, ao dirigir-se a Francisco (então o cardeal Bergoglio):  Não concordo com nada do que você diz, mas você é aquilo de que a Igreja precisa agora”.

Também na largada do ano de 2020, a grande lição de fé nas liberdades humanas veio na entrevista concedida ao “Estado” pelo escritor Mario Vargas Llosa, ganhador do prêmio Nobel em 2010, jornalista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário e escritor consagrado internacionalmente.

Com a autoridade de quem já foi militante comunista, ao lado de Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, Carlos Fuentes, as posições atuais de Llosa traduzem crença incondicional na Democracia.

Llosa declara que É muito melhor ter democracias imperfeitas, até corrompidas, do que ditaduras que não são eficientes por fomentar a delinquência, o roubo, a manipulação da realidade… Temos democracias imperfeitas, mas que podem ser corrigidas por meio de denúncias de roubos e das políticas mafiosas dos governos”.

Sobre o Chile afirma com lucidez: “O caso mais notável é o do Chile, que primeiro optou por acabar com uma ditadura feroz, sanguinária, que foi a de Pinochet… Mas algo falhou. A impaciência da classe média que se descobre limitada e impossibilitada de alcançar o progresso por causa de um sistema de privilégios é uma explicação”.

Ainda acerca dos protestos atuais no Chile diz Llosa: “são movimentos claramente populares, sobretudo de classes médias que veem um limite em suas aspirações”.

Vargas Llosa não esqueceu da indispensável liberdade da imprensa: “É muito importante, para os cidadãos responsáveis, ter coragem de defender a verdade, de não aceitar a censura e muito menos a autocensura. Isso é o princípio do fim em uma democracia. É essencial que os meios de comunicação mantenham sua independência diante do poder”.

A lucidez de Bento XVI, Francisco e Llosa renovam a crença em um mundo comprometido com a Paz, o Humanismo e o Diálogo, mesmo com as ameaças iminentes de truculência e insanidade, defendidas por desvairadas lideranças políticas, aprisionadas ao belicismo, autoritarismo, sectarismo e intolerância.

Ney Lopes de Souza

Ex-Deputado Federal

Professor titular de Direito Constitucional UFRN

Publicado na Tribuna do Norte