Ney Lopes: BIDEN SURPREENDE NA SUPERTERÇA E POLARIZA COM SANDERS NA DISPUTA POR INDICAÇÃO DEMOCRATA

Em um desempenho acima do esperado, o ex-vice-presidente Joe Biden garantiu a vitória em nove estados nesta Superterça, com destaque para seu domínio no Sul, embalado por um amplo apoio do eleitorado negro na região. Faltando conhecer os resultados de Califórnia e Maine, os números iam fortalecendo-o na corrida pela indicação democrata e confirmando a polarização com o senador Bernie Sanders.

Com 100% das urnas apuradas, o ex-vice de Barack Obama venceu na Virgínia com 53% dos votos, contra 23% de Sanders. Segundo projeções da imprensa americana, Biden conquistou ainda o Texas, que distribuirá 228 delegados entre os candidatos mais votados, a Carolina do Norte, que tem 110 delegados; Alabama, 52; Oklahoma, 37; Arkansas, 31; Massachusetts, 91; Minnesota, 75; e Tennessee, 64.

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Segundo os números das pesquisas de boca de urna, divulgadas pelo instituto Edison Research, Biden foi votado por 72% dos eleitores negros no Alabama, 71% na Virgínia, 63% na Carolina do Norte e 62% no Tennessee. Mesmo antes do início das primárias, essa parcela do eleitorado era vista como um ponto forte para o ex-vice-presidente, algo que até serviu de “desculpa” para seu fraco desempenho em Iowa e New Hampshire, estados majoritariamente brancos. Ele também teve um bom desempenho entre os eleitores mais velhos, especialmente entre os que têm mais de 65 anos, e nos moradores dos subúrbios, majoritariamente de classe média.

MUITO VIVOS’

Nos primeiros comentários após os resultados, durante comício em Los Angeles, um exultante Biden agradeceu de forma entusiasmada os eleitores dos estados onde venceu. E mostrou confiança na indicação:

— Há apenas alguns dias haviam declarado a morte desta candidatura. Estou aqui para avisar que nós estamos muito vivos!

No sábado, na Carolina do Sul, Biden deu os primeiros sinais de sua força, em uma vitória com quase 50% dos votos e que serviu de impulso na disputa contra Sanders — o senador acumula três vitórias nesta terça, de acordo com as projeções: Vermont, estado pelo qual se elegeu senador e onde 16 delegados serão distribuídos; Utah, 29, e no Colorado, que tem 67 delegados. De acordo com os números do Edison Research, Sanders foi o favorito dos eleitores com menos de 30 anos em quase todos os estados do Sul, uma vantagem que chegou a 70% em Vermont e 58% na Virgínia. Seus números também foram bons entre os latinos.

Falando a apoiadores em Vermont, Sanders demonstrou confiança, mesmo diante da sequência de vitórias de Biden.

— Quando começamos a campanha, nos disseram que não era possível. Agora eu digo a vocês: vamos ganhar a indicação para disputar a Presidência — afirmou, aos gritos de “Bernie, Bernie”, prometendo ainda derrotar Donald Trump, a quem chamou de “o presidente mais perigoso da História”.

VITÓRIA QUASE SIMBÓLICA

Já no território da Samoa Americana os resultados são finais: vitória de Michael Bloomberg, que conquista assim seus primeiros quatro delegados, enquanto a deputada Tulsi Gabbard, que ficou em segundo, terá também seu primeiro delegado. Com essa vitória quase simbólica, surgem especulações sobre o futuro da campanha do bilionário, que já gastou mais de meio bilhão de dólares mesmo antes de aparecer nas cédulas.

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Logo depois das primárias iniciais, quando os números de Biden patinavam e ele ficou a um passo de desistir, o ex-prefeito de Nova York foi alçado à posição de “preferido” do establishment democrata, chegando a liderar as chances nas bolsas de apostas. Sem vitórias de peso nesta terça-feira, ele anunciou que irá “reavaliar” sua campanha nesta quarta-feira. Segundo o New York Times, os números mostram que o fortalecimento da campanha de Bidenminou o apoio do bilionário entre os eleitores de centro, especialmente nos subúrbios de classe média e entre os negros.

Outro destaque negativo da noite foi o desempenho da senadora Elizabeth Warren. Até agora, não passou do terceiro lugar na maior parte das disputas, inclusive em seu estado, Massachusetts. Pelas projeções, deve ficar com cerca de dez delegados até o final da noite, repetindo os maus resultados das votações de fevereiro. Em comunicado, pediu aos seus eleitores que não percam o entusiasmo, lembrando que há seis primárias na semana que vem.

CONVENÇÃO DIVIDIDA

É importante lembrar que o que vale é o número de delegados, que são divididos entre os candidatos mais votados. Em jogo estão os votos de 1.357 deles na Convenção Nacional, em julho — para conseguir a indicação, o candidato ou candidata precisa do apoio de ao menos 1.991 . Caso contrário, o nome do partido será escolhido em uma segunda votação, quando os delegados estarão “liberados” da obrigação de votar conforme o resultado de seus estados, e terão a companhia dos chamados “superdelegados”, 771 figuras de destaque na sigla e que podem votar de forma livre. É a chamada “convenção dividida”.

Algumas das corridas são cruciais. A primeira delas é a Califórnia, onde 415 delegados estão em jogo e onde Bernie Sanders investiu boa parte de sua energia, incluindo um forte trabalho de base entre os eleitores e uma equipe que reflete a diversidade populacional do estado. Ele aparece na frente nas pesquisas, muito embora a vantagem para Biden tenha diminuído. Outro “campo de batalha” é o Texas, onde o senador social-democrata aparecia com uma vantagem até certo ponto folgada mas que perdeu espaço para Biden nos últimos dias. Segundo as pesquisas de boca de urna, o ex-vice-presidente também é o favorito dos  negros (60%), mas eles constituem apenas 20% do eleitorado no estado.

Refletindo uma tendência nacional, Biden é o favorito entre os que têm mais de 45 anos, enquanto Sanders vence entre os que têm menos de 45.

DEFINIÇÕES E TENDÊNCIAS

Ao contrário da eleição nacional, onde o vencedor em um determinado estado leva todos os eleitores no colégio eleitoral, o infame “winner takes all” (vencedor leva tudo), a primária democrata faz uma divisão proporcional dos delegados, mas apenas para quem superar a marca de 15% dos votos. Na primária da Carolina do Sul, por exemplo, onde Biden conseguiu quase 50% dos votos e 39 delegados, Sanders, com seus 19,8%, ficou com 15.

Um ponto de consenso entre analistas é que, embora crucial, a Superterça não definirá o adversário de Donald Trump em novembro. Mesmo se os candidatos superarem as expectativas, ninguém vai chegar ao número mágico de 1.991 ou mesmo encaminhar a vitória nas prévias seguintes, 13 delas apenas em março, ou mesmo antes da convenção de julho. Momentos antes dos primeiros resultados serem conhecidos, o site de projeções e análises políticas FiveThirtyEight apontava 61% de chances de uma convenção dividida. Biden deu um salto desde sua vitória na Carolina do Sul, aparecendo agora com 31% de chances de indicação. Biden, que após o caucus de Nevada tinha quase 50% de chances, agora tem apenas 8%.

Além do voto desta terça-feira, todos estão de olho em possíveis desistências entre os agora cinco candidatos ainda na corrida. A deputada Tulsi Gabbard, por exemplo, causou certa surpresa ao chegar até a Superterça. Sem qualquer delegado conquistado até então (conquistou o primeiro nesta terça) e com resultados fracos, sua eventual desistência não impactará a disputa.

No caso de Elizabeth Warren, porém, a equação pode acabar pendendo para Bernie Sanders — as propostas da senadora convergem com as do social-democrata, especialmente sobre o sistema universal de saúde, a educação superior gratuita e o imposto sobre grandes fortunas. Uma eventual desistência poderia fazer com que muitos de seus eleitores migrassem para a campanha dele. Até agora, Warren quer permanecer na disputa até julho, apostando em uma convenção dividida, onde surgiria como um nome capaz de unir o partido. Contudo, o avanço de Joe Biden pode frustrar esses planos.

Ney Lopes