Mossoró celebra 94 anos da vitória sobre o bando de Lampião

“Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma”.

Foi assim que aos 13 de junho de 1927, há exatos 94 anos, o prefeito de Mossoró-RN, coronel Rodolpho Fernandes, respondeu a Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, que exigia 400 contos de réis para não invadir a cidade.

Naquele dia, por volta das 14 horas, o Rei do Cangaço ordenou o ataque. De acordo com Raul Fernandes, os cangaceiros percorreram dois quilômetros a pé. Sabino Gomes, diz ele, chefiava duas linhas de frente compostas por homens de Jararaca e de Massilon Leite. Virgolino manteve-se à distância no início, chegou a se aproximar pela estrada de ferro e a disparar tiros, mas recuou até o cemitério.

O fogo no Centro começou depois de Sabino haver sido identificado quando caminhava na avenida Alberto Maranhão. As balas passaram por ele de raspão e seus companheiros reagiram.

Alguns cangaceiros avançaram pela lateral da casa da esquina, vizinha à de Rodolpho, onde hoje funciona a prefeitura, esgueirando-se pelo muro. Em determinado momento, entretanto, Colchete, descuidou-se e foi atingido na cabeça por um tiro de fuzil.

A autoria do disparo que matou o bandoleiro de Serra do Monte-PE é até hoje motivo de polêmica. Os historiadores se dividem entre Manoel Duarte, cabo Leonel Pastel e Francisco Gomes Pinto. O certo é que, na tentativa de retirar as armas e munições presas ao cadáver do companheiro, José Leite de Santana, o Jararaca, acabou baleado no peito e na perna.

Apesar da gravidade do ferimento no tórax, Jararaca conseguiu fugir e se refugiar nas imediações da ponte da estrada de ferro, no Alto da Conceição. Dias depois, em data um tanto quanto incerta, que vai de 17 a 20 de junho de 1927, o bandido foi executado pela polícia no Cemitério São Sebastião. Dizem até que seus assassinos o obrigaram a abrir a própria cova onde o enterraram ainda com vida. Décadas depois, o túmulo de Jararaca passou a ser ponto de romarias. Muitas pessoas acreditam que, diante do sofrimento na hora da morte, ele virou santo e faz milagres.

Lampião e seu bando bateram em retirada. Nas imediações da divida do RN com o Ceará, pela Estrada do Cajueiro, mais uma baixa. O cangaceiro identificado por alguns historiadores como Dois de Ouro e por outros como Menino de Outro, bastante ferido, pediu aos comparsas que lhe dessem o tiro de misericórdia, sendo prontamente atendido. O local é marcado ainda hoje com uma pequena campa e uma cruz.

O corpo de colchete foi arrastado por ruas do centro da cidade, mutilado e esfaqueado. Depois, quatro operários receberam a missão de realizar o sepultamento. O corpo foi transportado feito animal, de pés e mãos atados uma estaca porta nos ombros dos coveiros.

A vitória sobre o bando de Lampião é objeto de pesquisas, peças teatrais, filmes, livros, poesias de cordel e apontado por alguns como o início do fim do cangaço nos sertões nordestinos.

 

RETIRADA DE LAMPIÃO DE ACORDO COM RAUL FERNANDES

 

“Os cangaceiros reuniram-se por fora do muro lateral do cemitério. O rápido revés os desnorteara. Perderam dois companheiros. Seis chegaram feridos, e dois em estado desesperador. Enquanto do outro lado, todos estavam incólumes.

Lampião “lamentava a morte dos cabras de confiança”. A tarde de 13 de junho fora a mais trágica de sua carreira. Batido em todas as frentes, sem conseguir sequer um único êxi-to, fugia em desbarato, a dois passos da fortuna, levando como galardão a maior derrota. Os bandidos estavam “com muito medo”.

Virgolino decidiu voltar à cavalhada, muito por fora da cidade, desprezando o caminho mais curto por onde viera. Seguiu na direção do campo de futebol, e continuou vencendo obstáculos, transpondo cercas e cruzando estradas.

Miguel Canuto morava naquele bairro afastado, arruado de tugúrios conhecido por “Doze Anos”, próximo ao atual campo de aviação. Foi alertado pelo vozeirio e o ruidoso pisar, no solo arenoso, das alpercatas da horda, açodada, em fuga. Aflito, com toda família em casa, correu os ferrolhos e as traves às portas e janelas. Ficou de espreita. Observava a chegada dos assaltantes. Pararam do outro lado da estrada, em frente à sua moradia, barrados por uma cerca de varas, bem trançadas, de marmeleiro-do-sertão. Escalaram-na um a um pelas estacas do passadiço, fincadas de modo a servirem de degraus. Ultrapassaram-na a custo, em virtude do incômodo equipamento bélico. Os feridos amparavam-se nos companheiros. Continuaram varando frágeis cercados de paus-a-pique de talos de carnaúba. Assim, foram-se afastando a perder de vista, até o Alto da Conceição, em busca das montarias. Miguel contou cerca de cinquenta e seis homens, bem armados.

Por volta das cinco e meia da tarde, reinava grande regozijo entre os homens das trincheiras. Não havia o menor sinal dos atacantes. Da torre da Igreja (Capela) de São Vicente, viram um cangaceiro estendido na rua. Informados, dois homens da barricada, cautelosamente, foram ao local. Encontraram uma garrafa de gasolina junto ao muro, e Colchete, sem vida, numa poça de sangue, com o mosquetão jogado ao lado. Vestia brim cáqui. Calçava alpercatas e meias de seda. Cartucheiras bem acabadas, municiadas, na cintura e cruzando o peito. Punhal. médio. Dois bornais a tiracolo contendo balas. Grande lenço vermelho no pescoço e um rosário. Negro de cabelo encarapinhado. Vestes enlameadas. Do corpo, emanava morrinha repugnante, armazenada na longa marcha.

Rodolfo avisou a Laurentino de Morais, que não se fez esperar. Chegou acompanhado de oficiais subalternos e uns soldados. Acertaram rigorosa prontidão, considerando que os bandidos se achavam perto. Laurentino determinou a remoção do morto para o patamar da Catedral. Em seguida, visitou algumas defesas deixando a população cônscia dos acontecimentos. Com a boa nova da vitória, do interior de algumas residências partiam gritos jubilosos:

Viva Rodolfo Fernandes! Viva Mossoró!

Naquelas horas, julgava-se a cessação das hostilidades, simples trégua. As ruas continuavam desertas.  Virgolino viria à forra. Atacaria à noite. Desconhecia-se, contudo, uma de suas facetas, a mais aguda – a “tática de covarde” – a “tática invencível da fuga“. Abandonava a luta, ao conhecer a disposição do adversário. Na dúvida, ninguém largou as armas. Mossoró velou até o alvorecer.

 

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