Lula é um gigante: íntegra da entrevista à revista Fórum

A confirmação da entrevista com Lula se deu na sexta-feira 13. Uma coincidência que me acompanha. Dou muita sorte nessas datas. Seria no dia 18, quarta-feira, me disse o assessor de imprensa do presidente, José Crispiniano. Fórum teria 1 hora e o Opera Mundi a outra. As entrevistas de Lula têm duas horas regulamentares. Que são cronometradas. Ele entra às 9h30 na sala separada para a gravação e às 11h30 o chefe da custódia da Polícia Federal em Curitiba, Jorge Chastallo Filho, avisa que o tempo acabou. Quem for assistir a entrevista na integra no Youtube, verá que no final há uma sombra ao fundo de Lula. A sombra é Chastallo, que se aproximou porque Lula ultrapassou o tempo que lhe é concedido por determinação judicial para falar. Lula falaria muito mais, muito mais.

Chastallo foi o policial que deu a Lula a notícia da morte do seu neto Arthur. É também quem controla as escalas dos policiais que cuidam diretamente da segurança do presidente. São 8, me disse. Que se revezam em turnos de 2. Ficam três meses trabalhando com Lula e depois são substituídos por outros. Advogados e amigos do presidente garantem que os três meses são suficientes para que todos mudem de impressão em relação ao custodiado. Um amigo policial federal de Minas Gerais confirma a informação. Ele é amigo de um dos que foram trabalhar nesta missão. Foi odiando Lula, voltou lulista.

Chastallo tem 46 anos e 20 de PF. É um cara simpático. Na preparação da sala, preocupava-se com detalhes que poderiam incomodar o presidente ou machucá-lo. Solicitou cuidado com os fios e pra que nada fosse colocado perto da cadeira que pudesse atingi-lo de alguma maneira.

Por que falo de Chastallo, para dizer que o presidente não parece estar sendo maltratado na prisão. Tem sido respeitado. O problema é outro. Ele não poderia estar lá. É agressiva a injustiça que cometem com Lula. É de dar raiva. Mas ao mesmo tempo é energizante saber que ainda há líderes com o tamanho dele no Brasil. Sim, o tamanho de Lula será medido na história também por este seu ato de coragem. De se deixar prender, mesmo sabendo o quanto sofreria, para não deixar que seu país fosse completamente conquistado por seus algozes. Nesta entrevista que segue, Lula fala de maneira clara pela primeira vez disso. E confirma também que não esperava ficar tanto tempo preso. Lula manda vários recados. Como para Ciro Gomes e Rui Costa. E chama pela primeira vez Moro e Dallagnol de chefes de quadrilha. Dá um leve pito no PT e nos movimentos sociais que, para ele, deveriam estar ocupando as ruas em defesa da soberania do país e dos direitos do povo. Lula sendo Lula.

Quando terminou a entrevista, nos despedimos com um abraço, ele de novo falou do Lucão (no começo da entrevista também) e saiu caminhando em direção ao corredor que o levaria para a tal sala especial, que nada mais é do que um quarto de 15 metros que tem uma cama, uma mesa, tv e uma esteira, onde o presidente caminha 9km por dia. Lula teria entrado na prisão com 89 quilos e estaria com 82. Quer chegar a 80. Nada de regime especial, ele almoça a comida de todos os presos, me confirmou Chastallo. E a noite costuma comer uma fruta ou algo mais leve.

Na prisão, entre outras coisas, como confirmou nesta entrevista, Lula faz o tempo passar lendo. Lendo muito. E assistindo programas da blogosfera, como o Fórum Onze e Meia.

O gigante Lula não está adormecido. Está acordadíssimo. Preparando-se para a volta. Pode ser daqui a pouco ou daqui a muito. Mas engana-se quem pensa que ele está deprimido ou politicamente morto. Tá vivíssimo. E melhor do que quando entrou, como disse Chico Buarque, que o visitou no dia seguinte desta entrevista. Boa leitura.

Lula – Rovai, você pergunte o que quiser, não tem pergunta proibida, eu só, possivelmente, não vou saber responder todas. O que eu souber, respondo. E o que não souber, não respondo, vamos consultar os universitários…rs. O Lucão fez químio ontem?

Renato Rovai – Está fazendo esses dias todos, fez segunda e vai fazer até quinta…

Lula – Se Deus quiser, com 5 anos é só energia. Deus vai ajudar. Nessa hora acredita em Deus. Ajuda bem.

Rovai – Presidente, quero lhe agradecer por ter aceitado essa entrevista. Quando solicitei, falei para o Zé Crispiniano: “Tô solicitando, mas saiba que eu prefiro fazê-la aqui fora”. Não só eu, mas muita gente está torcendo para que o seu caso se resolva o mais rápido possível. Eu coloquei no meu Twitter pessoal que ia estar aqui e recebi 825 mensagens com perguntas. Não vou citar as pessoas, porque muitas perguntas se repetiram, mas também sou portador de uma série de pessoas que gostariam de estar aqui no meu lugar, incluindo os blogueiros que o senhor citou antes da entrevista começar e que participaram do encontro de blogueiros que o senhor esteve presente.

Segundo o artigo 288 do Código Penal Brasileiro, organização criminosa, formação de quadrilha, é associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. Com os vazamentos do The Intercept, se confirma que houve essa associação entre agentes do Estado com o fim claro, entre outras coisas, de condená-lo. O senhor se considera vítima dessa quadrilha? O senhor considera que o Moro e o Dallagnol são chefes de quadrilha?

Lula – Considero.

Rovai – E o senhor pretende lutar contra isso no momento em que sair daqui?

Lula – Olha, para isso estou aqui. Eu vou reiterar para você uma coisa. Eu poderia não estar aqui. Poderia estar em outro lugar do mundo. Resolvi vir pra cá porque preciso provar que o Moro é mentiroso, teve um comportamento canalha enquanto juiz. Que o Dallagnol é chefe de uma quadrilha, de um grupo de procuradores, e não estou falando agora porque o The Intercept está dizendo. É só você pegar a minha defesa que vai perceber que a gente já estava falando tudo isso. Você vai lembrar que no primeiro depoimento que dei para o Moro, disse a ele, olhando para a cara dele, porque ele não permite que a cara dele apareça, só a cara da gente que aparece, a dele tá escondidinha, porque ele não tem coragem de olhar no olho…. eu disse para ele: “Olha, você está condenado a me condenar, porque a mentira contada foi tão longe que não tem como voltar atrás”. Eles construíram, junto com os meios de comunicação, e não é só a Globo, eu falo da Globo porque a Globo é maior, construíram junto com os meios de comunicação a ideia de que qualquer bobagem que o Dallagnol ou o Moro falavam virava vinte minutos de Jornal Nacional, condenando as pessoas a priori. Ou seja, eles não queriam saber se tinha argumento contrário, era condenação pura. E por que eu digo isso? Porque tem quatro pessoas no mundo que sabem do que estou falando. Eu, porque sou a vítima e sei que sou inocente. O Moro, porque foi o algoz e sabe que sou inocente. O Dallagnol, porque sabe que sou inocente e que ele mentiu. E Deus, que sabe que sou inocente.

Rovai – Mas aquele grupo do Telegram tinha mais gente, não é, presidente?

Lula – Veja, estou falando deles porque houve…Eu sou um cara democrático. E eu acho que a democracia é sustentada por instituições fortes. Então, sempre achei que o MP tem que ser forte, tem que estar altamente qualificado. E se você pegar os discursos que fiz na posse de procuradores, você vai perceber uma frase minha onde eu dizia: “O MP é tão forte, é tão importante, que as pessoas que trabalham têm que ter muita responsabilidade”. O mesmo eu dizia para a Polícia Federal. É outra instituição que acho que tem que ser forte para garantir a democracia. A Receita Federal tem que ser forte. E o judiciário não só tem que ser forte como tem que ser neutro. As pessoas têm que julgar com base na lei. Esse é o pressuposto básico da compreensão que tenho dessas instituições. Ora, o que eles estão fazendo? Estão jogando no lixo essa seriedade que essas instituições devem ter. O Janot jogou no lixo, a Dodge jogou no lixo. Você já viu, por acaso, eu fazer alguma reclamação dos outros procuradores? Do Antônio Fernandes, que condenou o Palocci e outros companheiros do PT, como o Zé Dirceu? Nunca. Porque se respeitou uma certa lógica de legalidade no processo. Essa turma não, essa turma…

Rovai – Mas de alguma maneira ali no mensalão estava o germe do processo que veio a lhe condenar?

Lula – Não… Ali eles aprenderam o seguinte, eles aprenderam que tendo a imprensa como aliada tudo fica mais fácil.

Rovai – Porque ali muita gente diz o seguinte, se o PT, se o senhor, se outras pessoas tivessem construído algumas barreiras, por exemplo, para impedir que pessoas como o Genoíno ou o Zé Dirceu. O caso do Genoíno é sintomático disso tudo. Se eles não fossem condenados daquela forma talvez não tivessem chegado até o…

Lula – O Genoíno foi condenado… O Zé Dirceu tinha que ser preso de qualquer jeito porque a imprensa criou um clima na sociedade que independia de prova. É por isso que eles inventaram logo a teoria do Domínio do Fato. Vamos logo criar uma teoria e essa teoria vai garantir que a gente não tenha que ficar procurando prova. Vamos condenar o Zé Dirceu. E depois o Genoíno entrou no barco. Todo mundo sabia que o Genoíno era inocente, mas se criou um clima na sociedade através dos meios de comunicação que chegou um momento em que se não prendesse, poderia ser até pior. Como no meu caso, você sabe quantas horas de Jornal Nacional eu tenho, sabe quantas capas de Revista Veja, de Revista Época, de Revista Isto É? Quantas primeiras páginas de Estadão, da Folha, do Globo e de outros jornais? Você sabe quantas horas no Bom Dia, no Boa Tarde, no Boa Noite, no Chá das Cinco tem contra mim? Veja, na verdade eles só não conseguiram o massacre final, o enterro final, porque o PT é um partido organizado, porque o PT tem muita força, a CUT tem muita força, os Sem Terra têm muita força, porque o movimento social tem muita força e essa gente acredita na minha inocência e sabe que eu sou inocente. Então, quando vim para cá, vim com esse objetivo. Eu preciso, para salvar o Brasil, evitar que crápulas como Moro e Dallagnol ocupem funções públicas…

Rovai – O senhor achava que se fosse sair, se fosse pro exílio, tomasse outra decisão, eles tomariam conta do país…

Lula – Acho que esse é o objetivo deles. Você veja que hoje está ficando mais claro. Tudo o que eles estão fazendo são coisas de quadrilha. Nenhum partido político de extrema direita seria tão grosseiro e ignorante como eles. Eu, quando fui prestar meus depoimentos na Polícia Federal, lá em São Paulo, em Brasília. Quando dei depoimento para o MP, tinha clareza que eles não estavam tentando julgar um homem. Eles estavam tentando julgar um governo. Um período de governo. Olha, o Dallagnol, vou repetir uma coisa que eu tenho falado, ele deveria ter sido exonerado e preso a bem do serviço público quando fez o power point. Porque você não pode ter um procurador falando pelo Estado brasileiro, em nome da sociedade, contar a mentira que ele contou e depois dizer cinicamente: “Não me peçam provas, eu só tenho convicção”. Dali ele deveria ter saído algemado e ter sido levado para a cadeia. E exonerado, para salvar o MP. Quando o seu Moro vai me fazer um julgamento e ele não tem fato, não tem prova e é obrigado a me acusar de um crime indeterminado, ou seja, ele não sabe que crime eu cometi. Depois de inventar a história da Petrobras, para poder trazer o crime pra cá. Tudo isso é uma quadrilha funcionando. Então eu vim pra cá e quero que você saiba disso, estou aqui e gostaria de estar em casa, mas estou aqui porque alguém neste país tem que ter coragem de enfrentar essa canalhada toda.

Rovai – O senhor tomou uma decisão, então, um pouco diferente do Jango. O senhor preferiu ficar…

Lula – Ah, não, eu não ia ser tratado como fugitivo, não ia ser tratado, não. Eu tenho cara e eu construí a minha cara na porta de fábrica. Eu dizia que o único medo que eu tinha na vida é o de mentir para os trabalhadores.

Rovai – O senhor não se arrepende nem um minuto? São 529 dias aqui.

Lula – Não me arrependo, não me arrependo. Obviamente que eu gostaria de estar em casa, gostaria de… mas

Rovai – O Senhor já disse para outras pessoas, inclusive para a Monja Coen, no dia 30 de julho o ano passado, que achava que em uma semana estaria livre. Isso não causa um certo…

Lula – Causa, causa uma certa frustração. Porque quando eu vim para cá havia a possibilidade de votar uma ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade), eu nem sei o que é, mas aprendi a falar a palavra ADC. E na semana que vim para cá, o partido que havia entrado com a ADC retirou a ADC. O PCdoB entrou com outra ADC e aí, o Marco Aurélio (Mello), não sei porque, não colocou em votação. Ou a presidência (do STF) não colocou em votação. Tudo isso poderia fazer com que eu ficasse mais desesperado, mas um homem desesperado tende a morrer precocemente, então, como eu quero viver 120 anos, eu mantenho o equilíbrio mental.

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Rovai – E como o senhor tem mantido o equilíbrio aqui, presidente, desculpe lhe perguntar…

Lula – Eu mantenho o equilíbrio assistindo você pelo pendrive, assistindo todos os meus amigos da blogosfera no pendrive. Eu recebo muito pendrive, sempre com um dia de atraso. Os dias mais tristes são o sábado e domingo, que eu não recebo. Então eu vou ver vocês de novo na segunda-feira. Então, sabe quando você lê jornal velho? Você vai no banheiro e tem um jornal velho? Antigamente ia no banheiro e tinha um jornal forrando o chão, então ficava vendo notícia velha. Eu, na segunda-feira, vejo notícia velha. Vejo você falando do sábado, da sexta-feira. Vejo outros companheiros falando. Então, me mantenho assim. O que me fortalece, na verdade, é saber o seguinte: esse país não pode ser destruído, essa gente não pode destruir o país. Por isso que coloquei a questão da soberania nacional como o principal mote da chamada esquerda brasileira, dos setores sociais. Você deixar destruir a Petrobras, a Eletrobrás, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal. Foram essas empresas que suportaram o Brasil e cresceram, porque a Petrobras não é uma simples empresa de petróleo. A Petrobras é a empresa que investe mais em tecnologia, em pesquisa neste país, a Petrobras contrata milhares de pequenas empresas…

Rovai: Presidente, tenho uma pergunta da Federação Única dos Petroleiros e quero tratar deste assunto da Petrobrás mais pra frente. Antes, quero lhe fazer outra pergunta. O senhor é candidato à presidência da República em 2022?

Lula – Olha, eu diria para você que eu espero que tenham outros candidatos. Eu já vou estar com 74 anos, mais três anos, com 77. Se bem que eu acho que vou estar novo, vou estar conservado, mas eu espero que nesse período a gente crie novos companheiros. A gente tem vários companheiros, o PT tem quatro governadores, o PCdoB tem 1, o PSB tem governador, essa gente toda pode se candidatar.

Rovai – O senhor não falou o nome do Ciro…

Lula – Eu ia falar agora. O Ciro Gomes está por aí tentando encontrar, sabe… O Ciro Gomes é engraçado. Eu adquiri um profundo respeito pelo Ciro Gomes no tempo que ele trabalhou comigo. Ele foi uma pessoa que me ajudou, que participava da coordenação do governo junto com a Dilma e o Márcio Thomaz Bastos na época do mensalão. Eu tenho um profundo respeito. Agora, politicamente, ele é meio confuso. Primeiro, porque o Ciro já trocou 8 ou 9 vezes de partido. Eu lembro que, em 2010, ele queria ser candidato a presidente. Eu e o Eduardo Campos fizemos uma reunião e convencemos ele a vir para São Paulo para ser governador. Ele aceitou se filiar em São Paulo, mas desceu do aeroporto e foi esculhambar o PT e o Aloizio Mercadante. Então, não dá.

Rovai – O senhor fica magoado quando lê as declarações dele?

Lula – Eu fico, fico chateado. Como se uma pessoa amiga estivesse falando mal de mim. Agora, também não posso pedir para ele falar bem. Ali, quando junta ele e o Mangabeira Unger, então…

Rovai – Ele alega que o senhor daqui, da prisão, controlou todo o processo eleitoral…

Lula – Ele não alega nada, você não pode querer que um jogador do São Paulo vá ajudar o time do Corinthians o a ganhar do São Paulo. Você não quer que o Gabigol do Flamengo vá marcar gol contra o Flamengo porque está jogando com o meu Vasco da Gama. Não é assim. O Ciro Gomes era candidato, o PT também tinha candidato. E havia algumas alianças em disputa. O PT não podia falar “ó, gente, não queremos vocês”. O PT foi procurar fazer as alianças. E fez as alianças.

Rovai – O senhor não deve ter visto, mas ontem mesmo o Haddad voltou a contar (numa entrevista à CBN) a história de que, a partir de uma conversa com o senhor, convidou o Ciro para ser vice-presidente na sua chapa. E o Haddad já me falou que nessa mesma reunião com o Ciro disse a ele que se por alguma razão o senhor não pudesse ser candidato, aceitaria ser vice na chapa do Ciro. Como foi essa história?

Lula – Olha, eu fiquei sabendo dessa história por conta do companheiro Fernando Haddad, que teve com o Ciro e falou para o Ciro que poderia ser meu vice, que no meu impedimento o Ciro seria candidato a presidente e Haddad seria vice dele. E o Ciro não aceitou. Eu acho difícil uma pessoa que se acha tão inteligente, como o Ciro, querer ser vice de um torneiro mecânico…

Rovai – O senhor acha que há um preconceito de classe?

Lula – Eu acho que o Ciro é preconceituoso com o PT. Ele tem um quê… é só perguntar para o PT do Ceará. Ele odeia o PT do Ceará. O Ciro não nasceu para militar em um partido político. O Ciro nasceu para ser dono de alguma coisa dele. Ele manda, ele desmanda, ele faz, ele desfaz. Ou seja, isso não cabe dentro do PT. Então, se o Ciro quiser ser presidente com voto dos setores progressistas, ele terá que se aliar à esquerda, e na esquerda ele não tem muita opção. Ele tem só o PT e o PCdoB. Mas a impressão que tenho é que ele está fazendo um discurso muito mais para agradar setores de direita que ele acha que abandonaram os tucanos, do que para a esquerda. De qualquer forma, é uma pena…eu gostaria que o Ciro fosse diferente.

Rovai – O senhor não convidou ele para bater um papo aqui?

Lula – Não convido ninguém para vir aqui. Não é correto um preso político ficar convidando pessoas para vir aqui. Se alguém quiser vir, entre em contato e vem me visitar, mas eu não convidarei. Agora, acho que é uma pena. Acho que o Ciro não prejudica o PT com os ataques que ele faz ao PT. Ele acha que, quando o Estadão gosta da matéria dele, tá bem. Mas não é assim. Tá mal, filho. Se o Estadão gostou, é porque você falou merda. Essa é a coisa correta. Se o Estadão gostou e deu manchete, é porque você falou merda. Se você falar alguma coisa boa, o Estadão não vai dar. A Folha não vai dar. É isso. Agora, se você quiser se iludir, você vai ser candidato outra vez.

Rovai – O senhor disse em entrevista para a BBC que não lê a Veja há 30 anos pelos mesmos motivos que o Estadão, mas na semana passada o governador Rui Costa deu uma entrevista pra Veja que causou muita polêmica. O senhor leu esta entrevista?

Lula – Eu vi. Quando se trata da Veja, eu prefiro não ver e peço para alguém conversar comigo. Eu acho que as pessoas precisam se preparar para as entrevistas, as pessoas têm que falar menos a palavra “eu” e falar mais a palavra “nós”. O Rui Costa, quando ele dá entrevista, dá muita entrevista em função das coisas que aconteceram na Bahia, da aliança dele na Bahia. Ele tem que saber que o Brasil é totalmente diferente da Bahia. Ele tem que saber que parte dos aliados que ele tem na Bahia, são inimigos do PT em nível nacional, que não votam com o PT e não votaram com a Dilma. Ele tem que saber… E nem por isso o PT impediu que ele fizesse aliança. Se é uma coisa regional, faça. Mas uma impressão que tenho que é quando ele dá entrevista é a partir da lógica do mundo dele. Mas ele tem que pensar um pouco no Brasil, para ele perceber que as pessoas que estão com ele na Bahia, não estão com o PT no maior lugar do Brasil, porque as pessoas têm outros compromissos.

Agora, o Rui é uma pessoa que eu gosto muito, é um cara preparado, um companheiro que o Jaques Wagner apostou nele. Você sabe que eu tinha um candidato na Bahia, que era o José Sergio Gabrielli (ex-presidente da Petrobrás). Mas não deu certo e o Jaques indicou o Rui, que está fazendo um bom governo. De vez em quando tropeça, porque todo mundo que governa tropeça aqui, tropeça ali, mas acho que o Rui é um bom cara. Toda vez que você for dar entrevista, tem que estar preparado para as perguntas que são casca de banana. Eu vi a entrevista…. Não sei se vocês sabem, a Veja está pedindo para fazer entrevista comigo. Eu até daria se fosse uma coisa ao vivo. Eu vou tentar ver com o meu pessoal se é possível fazer com vocês ao vivo. Não tem porque ficar gravando, já faz ao vivo e vai direto. Depois vou ver se a Globo quer mandar o William Bonner vir aqui fazer uns 20 minutos de Jornal Nacional ao vivo comigo. Ver se o SBT quer mandar o jornal da noite… Eles tão pedindo também uma para às 3 da manhã, mas esse horário até eu estou dormindo…

Eu lembro de um debate que eu fiz na campanha de 1989 com Ulysses Guimarães, a gente estava na Rede Manchete, e a moça que coordenava o debate, já era uma e pouco da manhã, falou “doutor Ulysses, o senhor não acha que a gente pode continuar um pouco mais o debate?”. O Ulysses olhou o relógio e eu falei “manda alguém ligar para a dona Mora (esposa de Ulysses) que eu ligo para a dona Marisa, se elas estiverem assistindo eu continuo, se elas estiverem dormindo, vamos parar”. Fazer um debate para ninguém assistir…rs.

Rovai – O senhor falou aqui do Estadão, falou da Veja, sempre fala da Globo, mas eu queria falar um pouco da Record, dos evangélicos. Até os últimos dias, eu anotei aqui, até o dia 16 de março de 2016, a Record, o bispo, o PRB, tinham um ministro, que era o ex-deputado George Hilton, ministro dos Esportes da Dilma. Aí ele saiu do governo e foi para o impeachment. De lá para cá, a Record assumiu um antagonismo em relação ao senhor, à Dilma, ao PT, a tudo que seja vermelho. O que aconteceu nesse processo? Por que a coisa virou assim? Eles cresceram muito durante os seus governos, com o crescimento da classe C, os evangélicos foram tomando conta de certas regiões com o discurso da prosperidade, com a venda da prosperidade que é a base do discurso evangélico…

Lula – Talvez eu tenha cometido um crime que seja ser muito republicano. Porque essa gente sabe que eu nunca conversei com eles pedindo alguma coisa para o governo, nunca. Eu nunca senti a Record favorável ao governo. E nunca pedi para ser favorável. Nunca pedi para a Bandeirantes ser favorável ao governo. Nunca pedi pro Silvio Santos. E muito menos pra Globo. A única coisa que eu pedia era que fossem honestos na divulgação. Informação é informação. Agora eles assumiram. Isso é ruim para eles próprios, porque eles podem ter um pouco do dinheiro, mas perderão credibilidade.

Rovai – O senhor viu a cena do Bolsonaro se ajoelhando para o Bispo Edir Macedo?

Lula – Eu acho aquilo humilhante para ele. É uma coisa vexatória, aquela coisa forçada. Quando você fala um palavrão e ele sai como força de expressão é até bonito. Mas quando você prepara o palavrão, fica feio. E o Bolsonaro preparou aquela cena, é simplesmente ridícula, vexatória, ele não precisava daquilo. Eu nunca perguntei para um ministro qual era a religião dele. Nunca perguntei para um general qual era a religião. Cada um segue a religião que quiser. Agora, tudo o que ele faz é premeditado, é pensado. E ele vai deixando tudo meio feio. Acho ruim para o meio de comunicação, acho ruim porque o Collor (Bolsonaro) não vai ser presidente a vida inteira, uma hora ele sai. Não sei porque algumas vezes eu falo Collor, vou escrever aqui para não esquecer o nome do presidente….

Rovai – Tem certa semelhança. A gente só não sabe se vai durar o mesmo período…rs

Lula – Eu acho que ele faz muita bobagem. Eu não posso dar conselho, mas o Bolsonaro tem que saber o seguinte, o tempo da bobagem, da molecagem, acabou quando ele era deputado. Ele virou presidente. Se ele não acreditava que fosse ganhar, ele ganhou. Então, exercer o cargo de presidente da República é uma coisa muito séria, você tem que medir as palavras, tem que pensar. Obviamente você pode errar uma ou outra coisa, mas ele faz questão de errar em tudo. Ou seja, a política externa dele é um desastre, você não ouve nesse governo há quase 9 meses uma palavra chamada desenvolvimento, uma palavra chamada crescimento, distribuição de renda, aumento de salário. Só existe a palavra de controle de gastos, palavra de ajuste. E o ministro da Economia com uma loucura de juntar 1 trilhão. Eu não sei para que que ele quer 1 trilhão. Do que vale juntar 1 trilhão se o povo está passando fome, se o povo está desempregado, se o povo está sem salário, sem condições onde morar, até dinheiro de pesquisa. Como a gente quer fazer uma guerra com a Venezuela se os nossos soldados não têm dinheiro para almoçar?

Eu acho que o Bolsonaro está utilizando o cargo de presidente para criar uma imagem muito negativa da instituição presidência da República. O fato de uma parte da sociedade ter votado nele porque negou a política… Porque você está lembrado o que eu dizia antes. Toda vez que a sociedade de um país nega a política, o que ela ganha é pior.

Rovai – O senhor acha que a antipolítica foi o fator decisivo da última eleição? Porque se fala muito do antipetismo…

Lula – Essa é outra bobagem. O antipetismo, o antiflamenguismo. Existe o antitudo. Não tem na história da humanidade, com exceção do partido chinês e cubano, alguém que seja unanimidade, 100%. Vamos pegar o meu exemplo. Quando deixei a presidência da República, em dezembro de 2010, eu tinha 87% de bom e ótimo, 10% de regular e 3% de ruim e péssimo, que era no comitê dos tucanos. Mas, ninguém consegue chegar a 100%. Não existe esse antipetismo. Existe o antipetismo como existe o antitudo. Existe o anticorinthianismo, o antipalmeirismo, o antisantista…

O que acontece é que um partido tem uma quantidade de votos. Eu pego sempre o PCI italiano da década de 80 e 90 como exemplo. Ele era o maior partido comunista do ocidente e tinha entre 30% e 36% de votos. Ou seja, nunca chegava ao poder, sempre perdia para a aliança organizada pelo Partido Democrata Cristão. Então, descobri que o PT não chegaria à presidência com 30% e em 2002 fui procurar o meu querido e saudoso José Alencar. Quando vi o Alencar fazer um discurso nos 50 anos da vida empresarial dele, pensei: “puxa vida, encontrei o meu vice”. O empresário porreta fazendo o discurso que o povo entende. Aí fui lá convencer o José Alencar a vir para a candidatura. Fui convencer ele a entrar no PR, porque ele não podia vir para o PT. E aí nós construímos a percentagem que faltava para eu ganhar as eleições.

“Ah, mas o PT só tem 30%”. Eu quero saber quem tem mais. Eu quero saber qual é o mundo em que algum partido começa uma eleição com 30%. O Haddad perdeu as eleições, mas na lógica da direita brasileira, o Haddad teve 45% dos votos. É muito voto nesse país. Com a política de destruição do PT, com a manipulação da Lava Jato, com a manipulação do Moro, as fakes news, as mentiras contadas, você imagina uma coisa, um candidato que não participa de um debate, se recolhe. E no debate ficam “coitadinho, tomou uma facada, não pode ir no debate”. E na hora do debate ficava passando mensagem na tentativa de se fazer dele um beato, um santo. O PT é a força política mais organizada e mais forte deste país. E por isso o PT tem adversários. Você vai no Rio de Janeiro, o Flamengo é a maior torcida, mas tem inimigo pra caramba.

Rovai – Mas mesmo no campo progressista muita gente fala que o PT só quer para ele o protagonismo principal. O senhor acha que o que foi feito na Argentina, com a Cristina Kirchner se recolhendo, saindo de vice do Alberto Fernández, pode ser algo interessante para as eleições de 2020 e 2022?

Lula – Eu já vi alguém citar o “exemplo da Cristina”. É importante citar que a Cristina e o Fernández são do mesmo partido político. É importante lembrar que ele foi secretário do Kirchner.

Rovai – Mas ele foi adversário dela na última eleição.

Lula – Ele e outras pessoas que hoje estão junto agora. Ou seja, política é o momento. Agora, veja, a Cristina está em uma situação processual complicada, o desejo do Judiciário já era ter prendido ela. E isso já teria acontecido se ela não fosse senadora. Ela tem um problema muito sério com a filha dela que está fazendo um tratamento em Cuba e a Cristina percebeu que ela sendo candidata teria mais problemas do que outros. Não é o caso do Brasil. Você tem um candidato que vai com 30% de votos e outro que está com 11% e você desiste? Eu lembro do Brizola. Em 89 eu fui na casa do Brizola. De repente, o Brizola diz pra mim: “Ô Lula, nós empatamos tecnicamente”. E eu falei: “Ô Brizola, não empatamos coisa nenhuma, isso não é pesquisa não, bicho. Eu tive 500 mil votos a mais do que você”. [Brizola sugeriu] “Ah, então vamos desistir nós dois e vamos apoiar o Mário Covas”. Eu falei: “Você acha que o povo vai entender? Nós dois que tivemos a votação vamos abrir mão para apoiar um cara que teve 8%? (Lula teve 17,18% dos votos, Brizola 16,51% e Covas 11,51%. A diferença de votos entre Lula e Brizola foi de 454 mil e 445 votos) Não”. Olha, se o Ciro quiser, um dia…

Rovai – Mas eu não estava falando do Ciro…

Lula – Mas se o Ciro quiser um dia ser presidente da República, ele precisa fazer o jogo correto.

Rovai – Deixa eu dar um outro exemplo: a gente quando publica na Fórum fotos do Haddad com o governador Flávio Dino, do Maranhão, causa um frisson. As pessoas chamam de “chapa dos sonhos”. Por exemplo, se depender do senhor, tem que ser só Haddad na cabeça de chapa ou pode ser o Dino? Isso se o senhor não for candidato…

Lula – Não, veja, eu não vou dizer que pode ser o Haddad, que pode ser o Dino, eu seria louco se dissesse isso. Até porque tem muita gente pretendendo e ainda faltam três anos para essa coisa acontecer. Eu sou da tese que não vejo nenhum problema do PT apoiar alguém que não seja do PT. Isso faz parte do jogo político. E o PT tem várias experiências em vários estados. O que é preciso é que a pessoa que quer e precisa da aliança com o PT precisa ajudar a construir essa aliança. Se a pessoa que quer construir a aliança achincalha o PT a todo momento, essa pessoa não vai conseguir convencer o PT. E mesmo que a direção queira. Porque o PT, diferentemente do que falam é o único partido do planeta terra que a nomenclatura não quer dizer nada. Alguém chegar e falar “você sabe com quem você está falando? Está falando com a presidenta do PT, com o secretário, com o deputado…”. Para a base do PT vale tanto quanto uma titica. A pessoa é no PT respeitada pelo que faz, pelo que trabalha. Então, não vejo nenhum problema do PT fazer uma aliança política, não vejo nenhum problema do PT não ter candidatura própria. Eu mesmo, em junho de 2011, estava em Bogotá, junto com meu amigo Eduardo Campos (ex-governador de Pernambuco), junto com a esposa dele, a Renata, quando fiz uma reunião e disse ao companheiro: “Olha, acho que você precisa começar a se preparar para você ser candidato a vice da Dilma em 2014 e ser candidato à presidência em 2018”.

Rovai – E por que isso não aconteceu?

Lula – Não aconteceu porque ao longo do período foi crescendo a animosidade entre ele e a Dilma. Eu lembro que eu fui convidado para uma reunião no Rio de Janeiro em que estavam presentes o companheiro Jaques Wagner, o Sérgio Cabral e o Eduardo Campos, quando, em determinado momento, começou a se falar da Dilma de um jeito estranho. Isso quando ela só tinha dois anos de governo. Eu falei: “Gente, ó, eu não vim aqui – eu ainda estava com câncer, muito ruim – para ouvir alguém fazer crítica da Dilma. Se vocês têm algum problema com a Dilma, vocês peçam uma reunião com ela e digam o que pensam dela, porque, pelo que eu sei, ela gosta de todo mundo. Ela gosta do Eduardo Campos, ela gosta muito do Wagner, ela gosta do Sérgio Cabral. Paramos de conversar, mas ali eu senti que o Eduardo Campos tinha um problema de animosidade com a companheira Dilma, que foi até o final do mandato. Dizem que a Dilma tinha ciúmes dele porque ele era muito ligado a mim, mas eu gostava realmente do Eduardo Campos.

Rovai – Tinha uma relação de ciúmes da Dilma com o senhor? O senhor notava isso?

Lula – Não, não…

Rovai – O senhor tocou no assunto…

Lula – É que eu sei que existe, ninguém precisa me falar. Ninguém chega aos 73 anos, fazendo política há 50 anos, se não tiver o mínimo de compreensão. As pessoas têm ciúmes, as pessoas querem preservar o que são, as pessoas querem espaço, as pessoas querem ser levadas em conta. As pessoas querem sair na foto. Tem todo esse tipo de coisa. Para você conseguir superar tudo isso, leva muito tempo. Você veja uma coisa, fui presidente do PT durante dez ou doze anos e não disputei a presidência do PT nenhuma vez, porque todas as vezes que fui presidente eu fui indicado pelos companheiros por unanimidade. Não tinha disputa no cargo de presidente, a disputa era nos outros cargos.

Rovai – Mas em 2002, quando o senhor foi candidato à presidência da República, teve disputa, né? Com o Suplicy…

Lula – Teve uma disputa que eu não participei. Se você lembra, não participei, não me inscrevi. Eu falei “se o Suplicy quer ser candidato ele tem o direito de ser”. O PT fez uma campanha para ele, ele foi fazer debate em vários lugares e eu não fui em nenhum. Aí o PT me inscreveu. Eu não me inscrevi, o PT que me inscreveu.

Rovai – Presidente, deixa eu falar de outro assunto já que está acabando a entrevista. O Temer confirmou no Roda Viva aquele telefonema que foi grampeado e que só veio à público agora. Ele confirmou sua ligação e disse que teve uma reunião com o senhor. Aí lhe pergunto: não está na hora de revelar um pouco mais sobre os bastidores daqueles dias do processo do impeachment?

Lula – Teve um telefonema, não uma reunião. Teve um telefonema em que na entrevista do Roda Viva ele fala: “bom, isso é a prova de que eu não defendi o golpe”. Então, ele reconhece primeiro que foi golpe. Deixa lhe falar uma coisa, porque é importante dizer isso…

Rovai – Você falou com Eduardo Cunha também naquela ocasião?

Lula – Eu cheguei a falar com Eduardo Cunha para evitar de colocar o impeachment, mas não naquela semana…

Rovai – O senhor tentou falar com o Bispo Edir Macedo?

Lula – Não, não…

Rovai – Não tentou?

Lula – Não, não…. Deixa lhe falar uma coisa, nunca achei boa a ideia de eu ser ministro, por uma razão, na minha cabeça, no Palácio do Planalto, não cabem dois presidentes. Não cabem. E se eu fosse ministro, junto com a Dilma, ia ser um problema para a Dilma. Eu até brinquei com ela: “Dilma, você já imaginou você me dando uma bronca?”. Porque tem que imaginar, ela teria que me tratar como outro ministro qualquer. “Você imagina se eu vou aceitar ou não essa bronca?”. Sabe, o Palácio é pequeno para dois presidentes e eu não queria. Não queria. Eu relutei…

Rovai – E aí houve uma reunião em que ela praticamente lhe implorou?

Lula – Não, ela não. Ela queria, ela dizia que precisava e tal, mas na reunião estava ela, eu, o Jaques Wagner e o companheiro Ricardo Berzoini. O que me motivou a aceitar foi que em um determinado momento, lá pela 1 hora da manhã, eu não sei se foi o Wagner ou o Berzoini, que disse: “Pô, quer dizer que você, tá numa boa, tá no bem bom, tá vendo a companheira afundar, e você não quer entrar no barco, né? ”. Foi isso que me motivou a falar “tudo bem, eu aceito desde que a gente faça uma reunião amanhã com o Nelson Barbosa e eu vou discutir com ele, porque com essa política econômica não dá”. Aí tive uma conversa com Nelson Barbosa, eu disse que ia para São Paulo e que só voltava na terça-feira para tomar posse, quando aconteceu o telefonema. Quando ela telefonou eu estava no aeroporto assistindo a entrevista daquele canalha do Delcídio [Amaral] para a GloboNews. A entrevista mais preparada, mais azeitada do mundo para ele culpar o PT, sabe?

Rovai – Em relação àquele telefonema o senhor já sabia pelo Rui Falcão daquele documento, não é verdade?

Lula – Qual documento?

Rovai – O que o tal do “Bessias” ia levar.

Lula – Era o documento para assinar. Embora eu só fosse tomar posse na terça-feira era para deixar o documento assinado.

Rovai – Acha que houve uma armação nisso tudo?

Lula – Eu acho. Deixa eu falar uma coisa, eu não sei qual foi o partido que entrou com o processo, acho que foi o PPS, não sei. Obviamente que, no momento que eu aceitei, quase que a unanimidade da imprensa começou a trabalhar a ideia de que eu estava aceitando para tentar ter foro privilegiado. Jamais, jamais defendi a ideia do foro privilegiado. Eu tenho tanta consciência da minha inocência que a única coisa que quero é poder provar a minha inocência, que já provei, e que eles provem a minha culpa. Por isso é que eu espero que a Suprema Corte coloque o Brasil nos eixos. Nós vivemos um período em que um juiz de primeira instância, sabe, deitou e rolou em cima deste país. Ele podia mais que Deus. Se Deus pedisse para vir aqui ele ia dizer “não”. Nós tivemos um momento que o Ministério Público da Lava Jato ameaçava o Procurador Geral da República, ameaçava o presidente da República, ameaçava o Senado, ameaçava a Câmara dos Deputados, ameaçava a Suprema Corte, ameaçava o Superior Tribunal de Justiça. Ai de quem não concordasse com o seu Dallagnol e com o seu Moro… Então, agora, chegou o momento de colocar a casa em ordem. O que que nós queremos? O que nós queremos é que todas as denúncias de corrupção sejam apuradas corretamente e, por isso, foi o PT que mais criou mecanismos de apuração de corrupção nesse país. Pegue todos os partidos juntos que eles não criaram as condições que o PT criou. E para que que nós criamos? Para apurar corrupção [bate na mesa]. Agora, o que nós queremos é que todo acusado, antes de ser condenado previamente por um procurador na imprensa ou por juiz, ele seja julgado, tenha direito de defesa e que o juiz se pronuncie em função dos altos processuais.

[Exemplifica:] “Tá aqui, eu tenho provas que o Rovai cometeu um crime”, então, se tem, prove, sabe? O cidadão vai ser condenado? Se não tem, o cidadão tem que ser absolvido. E eu estou implorando: eu quero a prova que eu cometi um crime. Agora, tenho provas que vocês cometeram crime. Vocês mentiram. Vocês não aceitaram testemunha. Vocês não ouviram provas. Sabe? Então, eu tenho. E agora está mais do que provado que é uma quadrilha, que está organizada para pegar 2,5 bilhões da Petrobras, para pegar dinheiro nos acordos de leniência…

Rovai – Eu lembrei aqui a história do celular do (Eduardo) Cunha. O celular do Cunha não foi apreendido pelo Moro, diferente do tablet do seu neto.

Lula – Do meu neto foi. De quatro anos de idade.

Rovai – O senhor acha que teve um acordo do Cunha com o Moro?

Lula – Eu acho que houve um acordo porque até agora o Cunha…

Rovai – A mulher do Cunha não foi incomodada. Ela participava de paraíso fiscal. A filha também…

Lula – A única coisa que sei é que é muito estranho que você prenda o presidente da Câmara e você não tenha forçado ele para fazer uma delação como forçaram os outros. E que você não tenha pego o celular, porque todo mundo deu o celular. Não consigo entender. Mas eu acho que ele tem que explicar para a Suprema Corte. Quem sabe agora… Acho que a Suprema Corte tem a chance de fazer com que nunca mais se repita no Brasil que um juiz aja com a canalhice que o Moro agiu. Eu estou dizendo pelo meu caso. Eu não estou dizendo por outros casos. Se ele por acaso fez um julgamento correto de um empresário e mandou prender o empresário, isso faz parte da legislação brasileira. O que não pode é fazer a canalhice dele de quebrar as empresas brasileiras, de quebrar a Petrobras.

Rovai – Por falar em quebrar, eu ia chegar na Petrobras. A FUP me enviou essa pergunta: A Petrobras no seu governo chegou a 13% do PIB nacional e tem caído, acho que está em 7% agora. Destruiu milhares de empregos, os empregos estão sendo exportados, a engenharia nacional foi toda por água abaixo. O senhor pode dizer que a omissão da Justiça e do Ministério Público frente a esses crimes da Lava Jato é uma ameaça à democracia?

Lula – Ameaça. Veja, você tem três grandes mentiras contadas. Tem o Power Point, que é uma grande mentira contada; você tem o impeachment, que é uma mentira contada; e você tem o voto do Moro, que é uma mentira contada. E agora tem o voto da outra juíza, já no caso de Atibaia, em que mentira é pior ainda. O que acontece, essa gente construiu uma mentira e não tem como sair. Não criaram rota de fuga. A Globo não sabe, por exemplo, como tirar da grade dela a questão da corrupção. Ela não sabe como tirar a Lava Jato. Porque já faz alguns meses que o Intercept, que o Glenn, estão mostrando a podridão.

Rovai – E quando ela fala mal do Bolsonaro, ela fala mal do senhor…

Lula – Ela [Globo] tudo que quer falar mal do Bolsonaro, para dizer que não está falando mal dele, me coloca. Eles não sabem como se livrar disso. Acho que está na hora de retomar as coisas corretamente. Eu acho uma pena, e por isso que meus advogados estão abrindo um processo nos Estados Unidos. Nós vamos atrás da falcatrua. É preciso ter coragem para brigar. Quem não tem coragem, não briga. Quem delata é porque roubou. Então eu gostaria de fazer uma delação. Sei lá pra quem, pra Deus, contra o Moro e contra o Dallagnol. Eu acho que nós temos a chance de recolocar o Brasil nos trilhos. Porque o que está acontecendo com os vazamentos, que a Globo nega e esconde todo santo dia, mas que a sociedade fica sabendo por conta de vocês, por causa da internet, por causa da coragem de vocês. Eu sei que você está sendo processado. Não perca a coragem. Vá para cima. (Fórum está sendo processada por Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro e acaba de ganhar um recurso para que a causa não seja julgada no Rio de Janeiro, mas em Brasília.) Porque neste país a única derrota que a gente tem é se a gente não tiver coragem de lutar.

Por isso, os companheiros da FUP não têm que se comportar como petroleiros, têm que comportar como cidadãos brasileiros e fazer uma forte campanha em defesa da soberania nacional e em defesa da Petrobras. Porque defender a Petrobras não é defender o emprego, é defender a maior empresa de investimentos nesse país. Uma empresa que chegou a fazer 13% do PIB, mas uma empresa que foi transformada por mim na Bolsa de Valores de São Paulo na segunda empresa de petróleo do mundo, e ela é a empresa que saiu de investimentos de US$ 3 bilhões por ano para US$ 30 bilhões por ano. O (Guilherme) Estrela esteve me visitando aqui e falou: “Presidente, o senhor tem que assumir que foi o senhor quem descobriu o pré-sal, não fui eu, não foram os petroleiros”. Eu respondi: “Então diga você, porque eu não vou dizer”. Ele diz isso por conta do investimento. Foi o investimento em pesquisa que nós fizemos que permitiu à Petrobras descobrir a maior reserva de petróleo do século XXI. Que poderia dar a este país o status de grande potência.

Rovai – Presidente, tenho só mais uma pergunta para fazer porque já esgotou o nosso tempo.

Lula: Pode fazer duas que eles não vão te prender…rs

Rovai: Então vou juntar duas em uma…rs. Vou fazer a pergunta do Jean [Wyllys] que está exilado. Ele pergunta o que o senhor tem a dizer sobre os setores de esquerda que insistem em menosprezar as misérias produzidas pelo racismo, homofobia e pelo machismo. E se essa esquerda do século XXI teria que abordar mais essas pautas. E a outra questão é sobre o movimento Direitos Já que foi lançado no Tuca, na PUC, que conta com gente do centro e do PSDB. O que o senhor acha deste movimento?

Lula – Aproveite se você puder mandar uma mensagem para o Jean Wyllys, diga que ele tem toda a minha solidariedade, que eu tenho um profundo respeito por ele e que o Brasil precisava de mais pessoas com a coragem dele. Eu acho que nem sempre a esquerda é avançada para defender determinados temas. Muitas vezes as pessoas preferem ficar no seu conforto e de bem com todo mundo. Eu acho que nós temos que lutar para garantir que as liberdades sejam liberdades de verdade. Não temer a liberdade. A pessoa neste país tem que ser o que é e ser respeitado. Por isso o meu carinho, admiração e respeito pelo Jean Wyllys.

Com relação à frente ampla, que eu vejo falar muito, eu já vi você comentar nas suas falas, vi outros companheiros comentarem em outros blogs. É engraçado porque há uma tentativa de culpar o PT. “Não, porque o PT não dá a mão para ninguém”, “porque o PT não foi no fórum…” A pergunta que eu faço é a seguinte: Em política vale muita coisa, mas o que não vale nunca é canalhice, nem hipocrisia. O que é que o PT teria que fazer numa frente? Eu vou lhe dizer uma coisa que eu nunca contei para ninguém. A Gleisi esteve comigo antes do encontro Direitos Já. Eu sugeri para Gleisi: “Você deve ir, leve o Aloizio Mercadante, leve o Haddad, convide o Boulos para ir e leve a Dilma. Para perguntar para aquelas pessoas que estão lá se a briga por direitos pressupõe discutir o impeachment da Dilma”. Porque não dá para você ficar achando que é o PT que não quer participar. A gente tem que perguntar se o cara enforcou a minha mulher, se o cara esquartejou, o cara afogou e no dia seguinte o cara me chama para uma conversa para dizer esquece tudo, aqui não tem nada, foi passado, vamos tocar a vida. Não. O PT não vai aceitar isso. Não dá para você construir uma frente ampla, não dá para defender direitos com quem tirou os direitos. Com quem fez o impeachment.

Eu nunca pedi, o PT nunca vai pedir para participar de um encontro só para defender o Lula Livre. Tem coisa mais importante neste país, sobretudo para os pobres. Não tem coisa mais importante que o emprego, que a educação, que o feijão, o arroz, o leite, o café, a manteiga, para as pessoas mais pobres. Não é Lula Livre que é a coisa principal. Mas as pessoas não podem abdicar de um petista gritar Lula Livre. Isso não pode ser uma afronta. Eu acho que o PT não tinha que participar mesmo. Teoricamente não deveria participar. Mas mesmo assim eu pedi para a Gleisi que ela fosse para fazer uma afronta. Para perguntar de que direitos nós estamos falando. Com a direita que, com o Serra, entregou a Petrobras para a Chevron? Que quer quebrar a lei da partilha? Que foi o autor da emenda 95? Por que a gente vai participar com José Anibal?

A Dilma deixou de estudar um tempo para ensinar o José Anibal a aprender matemática e passar no vestibular. E depois aquele canalha deu o voto que deu contra ela no impeachment. E a Dilma vai lá fazer o quê? O PT vai lá fazer o quê? Escutar “gente vamos esquecer esse negócio da prisão do Lula, não vale mais nada. Esse negócio do impeachment não vale mais nada. Esse negócio de Getúlio Vargas acabou. Aquele direito de Getúlio Vargas era muito ruim”. Eu vi o Temer no Roda Viva dizer “quem está falando que nós tiramos os direitos é ignorante, porque no artigo 5º da Constituição está lá…”. Está o direito, mas tem que estar regulamentado. E quem regulamenta é a CLT. O capítulo 5º da Constituição é todo de preceitos gerais que você precisa regulamentar. Todo mundo tem direito a casa. Quem é que vai dar? Todo mundo tem direito à educação. Quem é que vai dar? Todo mundo tem o direito de um monte de coisa, mas não tem. O que é que o PT fez de errado? O PT tentou consagrar aquilo em direitos concretos. Por isso que nós subsidiamos casa para as pessoas que ganham pouco, que é o cara que ganha 1 mil reais e não tem como pagar 400 de aluguel. Ou ele come, ou ele paga aluguel.

Por isso que garantimos ao pobre ir para a universidade. Pobre ir para universidade com bolsa. Ora, qual é problema de investir em bolsa e financiar estudante? Da mesma forma que você financia o empresário, você financia um estudante. Veja quanto de trilhões os Estados Unidos têm de financiamento de bolsa. Agora, aqui no Brasil eles tratam educação como gasto. E colocam um analfabeto para ser ministro da Educação. Não um analfabeto preparado como eu. Porque eu, sinceramente, não troco o meu diploma primário pelo diploma universitário daquele cidadão. Porque além de ser ignorante, ele é grosseiro. Um país que não trata a educação com respeito, um país que acha que investir numa universidade é gasto, investir em ensino universitário é prejuízo, que não pode investir em pesquisa, que não pode financiar bolsa. O que esse país vai ser? Veja se você conhece algum país do planeta terra que cresceu e desenvolveu sem antes investir numa coisa chamada educação.

Eu, sinceramente, acho que o Brasil precisa lutar. Eu digo o seguinte: não há espaço para covardia. Eu fico meio puto aqui dentro porque quando eu vejo aquele miliciano do Bolsonaro…[Queiroz] O cara foi se esconder aonde? Eu pensei que o cara estava escondido numa favela no Rio de Janeiro, onde eles acham que tem muito bandido. O cara estava escondido no Morumbi e ninguém foi atrás para saber quem é que alugou a casa para ele. Na casa de quem que ele está? Ele paga aluguel? Se fosse um petista já tinham prendido, feito coerção, torturado.

Enquanto o PT e a sociedade não forem para rua com muita coragem e sem medo, fazer como esse pessoal da vigília, que é o símbolo da dignidade nesse país…. Tem gente que está aí desde que eu estou aqui e eu acho que lá fora tem coisa muito mais séria que eu. Acho que defender os interesses do povo trabalhador, defender o direito de estudar, defender a soberania nacional, nossas indústrias…. As Forças Armadas teriam que fazer isso. Ao invés daqueles generais ficarem andando atrás do Bolsonaro, tentando agradar ele, deveriam estar se preparando para defender a soberania nacional, para defender as empresas, para defender a nossa biodiversidade, para defender a nossa Amazônia. Essa gente tem que saber que governar não é falar bobagem. Governar é fazer. E se querem aprender, peguem tudo que nós fizemos nos país. Está tudo escrito. Eu sou o único presidente que ao terminar meu mandato fui no cartório e registrei tudo que eu fiz nesse país. Porque eu sabia que a imprensa ia mentir a respeito, tentar desqualificar. A Miriam Belchior e o Gilberto Carvalho organizaram. Está tudo em cartório, registrado. Se querem fazer bem, leiam. Por isso, querido, muito obrigado. Agora me senti no palanque. Eu vi o microfone aqui (risos). Eu quero que você dê um grande beijo na sua esposa, um grande beijo no seu Luca, e que Deus…. Estarei aqui rezando por ele.

Rovai – Eles também lhe enviaram um beijo. Queria agradecer a Polícia Federal pelo tratamento, ao senhor e a todos da técnica que nos ajudaram aqui.

Fonte: Revista Fórum