Laranjeiras – O Protestante

Geraldo Maia do Nascimento - [email protected]

A primeira notícia da presença de pastores evangélicos em Mossoró vem do ano de 1885, quando De Lacey Wardlaw, Ministro da Igreja Presbiteriana, que era natural da América do Norte e pioneiro na pregação evangélica no interior nordestino, fundou aqui uma igreja e se integrou bem na comunidade, chegando a participar das comemorações da libertação dos escravos em 30 de setembro de 1883, quando pronunciou um belo discurso. Chegou mesmo a ser convocado para fazer alguns casamentos dos maçons, pois o vigário Antônio Joaquim relutava em realiza-los. Mas depois mudou-se para o Ceará e o movimento evangélico em Mossoró ficou sem um pregador.

Um longo período se passou até o aparecimento de outros “Capas Verdes”, como eram chamados os pastores evangélicos naquela época. E desses tomamos conhecimento através de um depoimento de Raimundo Nonato em seu livro “Memórias de um retirante”, que fala de Laranjeiras, o Protestante, no ano de 1921. Disse ele:

“Lá, um certo dia, a aula foi suspensa, e o professor passou a atender a dois homens estranhos, ali chegados: um magro e alto, de olhos vivos, movimentos rápidos e linguagem arrevesada; o outro, um negro, cheio, alegre, de rosto luzidio, todo de branco, com uma velha pasta de couro a tiracolo e um barítono debaixo do braço. A conversa foi longa e apesar de estar de ouvido atento, quase nada entendi do comentário. Eram protestantes, e estavam sempre a repetir as palavras bíblia, evangelho, salmos e uma porção de termos novos que não me penetravam a cabeça.

Mas, se bem entendi, o professor desapontou os presentes, dizendo-lhes que não se interessava pela propaganda, pois era materialista.

Durante a aula do dia seguinte, os visitantes retornaram, já então bem vestidos e com fisionomias mudadas. Ao findar a conversa, mandaram-me que levasse seis faróis abastecidos para a praça e dependurasse nas grades do muro da Maçonaria, assim que anoitecesse.

Àquela hora, e como a claridade no local fosse coisa nova, muitas pessoas foram chegando, se acercando da calçada, trocando palavras, não tardando que começassem a discutir.

No meio delas, uma gesticulava mais alto afirmando:

– Isso vai acabar em briga. Esses capas verdes são enviados do anticristo.

– Besteira, gente, respondeu o outro, em toda parte cada um pensa como quer.

Desde modo, quando o Laranjeiras, assim se chamava o pregador protestante, chegou ao ponto, acompanhado de outros, já havia ali formada uma certa aglomeração.

A música, a sonoridade do barítono, a voz forte do pregador e as suas palavras que invocavam o nome de Deus, motivaram uma atitude silenciosa dos presentes.

Mas, vai daí, que da outra banda da rua, aparecem grupos furiosos conduzidos por Hemetério Leite, Chico Chagas, João Leite do Correio e Chico Marcelino, que ao ouvirem o protestante dizer: “- Eu sou aquele que trago a palavra do Nazarena”, prorromperam em gritos, soltando palavrões, atirando pedras no meio do povo, e carregando, por fim, os velhos faróis da escola. Depois do que se retiraram proferindo desaforos debaixo dos berros dos moleques que tomaram o partido do crente.

De longe, acompanhei a turba até a calçada do Colégio dos Padres, onde consegui segurar três lampiões amassados, jogados no meio da rua. Ali deveria terminar a missão do protestante Laranjeiras, em Mossoró, se não fosse sua disposição de enfrentar outra vez aqueles a quem chamava de novos fariseus.

Com tal propósito, e como se não fizesse caso do que sucedera na Maçonaria, já na noite seguinte se encontrava trepado num caixão, na Rua do Gurgel, bem em frente a bodega do Zacarias Praxedes, cantando e repetindo versículos e palavras dos evangelistas. Tal qual se dera na véspera, surgiram os primeiros distúrbios isolados, que logo se transformaram em tumulto coletivo, havendo pauladas, gritos, enquanto o cacete entrava em ação junto da barbearia de Luís Capuxu. E para se prevenir contra coisa pior, diante daquela confusão desnecessária, o pregador meteu-se pelo estabelecimento a dentro, fechando-se a porta as suas costas, como medida acauteladora, de preventiva segurança.

A essa altura, a rua toda tinha se transformado em um campo de guerra. A rixa tomara conta da praça.

Logo, porém, foi percebido que alguma coisa de novo estava ocorrendo para o lado da casa de Colombo. É que daquele ponto vinha um homem andando, passando no meio do povo, abrindo caminho sem dificuldade, na direção da bodega onde se escondera o pregador. Ao atingir o local, bateu na porta e falou. O dono veio abri-la, com outros, de rifle em punho, em atitude de resistência.

A conversa foi rápida.

Laranjeiras saiu de braço com o seu novo companheiro, que o salvou da situação, e caminhava, entre aquela mesma gente que, momentos antes, queria rasga-lo, e que agora, sem saber por que, olhava-o até com complacência, sem ódio, sem espírito de violência.

No outro dia o velho Beta, sabedor do acontecido, dando vazão a sua filosofia simplista e sem maiores horizontes, enquanto cuidava dos canários, ia conversando com a freguesia:

-Eita!… capa verde de uma figa, se não fosse seu Rosado, nem o diabo lhe salvava o couro!…”

Foi com muito sacrifício, coragem e determinação que o protestantismo se instalou em Mossoró. E a ação de Jerônimo Rosado, junto a Laranjeiras, foi muito importante para a causa, mesmo sem ser religioso. Agiu por espírito humanitário, como sempre fazia.

Cem anos se passaram desse episódio narrado por Raimundo Nonato, que foi reproduzido por Câmara Cascudo em seu livro “Jerônimo Rosado – uma ação brasileira na província 1861-1930”. Ficou o exemplo de um homem justo.

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