Inquérito sobre mortes no CT do Flamengo não foi concluído; famílias aguardam acordo
Christian Esmério, 15 anos; Arthur Vinícius, 14 anos; Pablo Henrique, 14 anos; Bernardo Pisetta, 15 anos; Vitor Isaías, 15 anos; Samuel Thomas, 15 anos; Athila Paixão, 14 anos; Jorge Eduardo, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; e Rykelmo Viana, de 16 anos, foram mortos no incêndio que atingiu o alojamento da divisão de base do Flamengo, na zona oeste do Rio de Janeiro.
No próximo sábado (8), a maior tragédia da história do clube completa um ano em meio a impasses entre os familiares das vítimas e o Flamengo. A principal reclamação, porém, não é sobre o valor da indenização que o clube se recusa a negociar, mas a falta de sensibilidade dos dirigentes com o ocorrido.
“Nossa família não foi procurada. Ao longo de um ano o Flamengo vem empurrando, fazendo um descaso tremendo com a gente. Com o que está acontecendo vamos ser obrigados a entrar na justiça sim. O acompanhamento psicológico nós pedimos e o Flamengo atendeu, mas não foi iniciativa do clube. A gente quer justiça, até hoje não tem um responsável. Ali não teve tragédia, foi negligência e os meninos foram mortos”, afirma Cristiano Esmério, pai do goleiro Christian, um das vítimas no incêndio.
O Flamengo fez quatro acordos individuais com os familiares de Átila Paixão, Vitor Isaias, Edinho e o pai de Rykelmo, mas estabeleceu uma cláusula de confidencialidade. “Caso a família fale o valor tem que pagar uma multa de R$ 500 mil. Dá pra ver que estão fazendo tudo por debaixo dos panos. O Flamengo não facilita em nada, não vem a público dar uma explicação. Para eles é uma página que tem que ser virada o mais rápido possível”, diz Esmério.
No final do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio a pedido da Defensoria Pública fixou uma pensão no valor de R$ 10 mil para cada família, superando os R$ 5 mil que o Flamengo pagava espontaneamente. Após 12 meses, o inquérito da Polícia Civil que investiga o incêndio ainda está aberto e nenhum responsável foi apontado. Diante da falta de diálogo com o clube, os representantes legais das famílias ouvidos pelo Brasil de Fato disseram que vão recorrer à justiça nas próximas semanas.
“A expectativa [de negociação] hoje é quase zero porque o clube não teve interesse em resolver ou sequer procurá-los. A preocupação não é com o valor financeiro, óbvio que uma reparação tem que haver porque foi uma negligência muito grande do clube. Mas o valor financeiro não vai trazer o filho do meu cliente de volta. A maior angústia deles [familiares] é a falta de proximidade que os dirigentes do clube estão tendo. O descaso com uma tragédia tão grave que vai marcar o clube pra sempre e os dirigentes preocupados apenas com o time profissional, títulos e valor arrecadados”, declara Arley Campos, advogado da família do Christian.
Para Campos, que também é presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Niterói (RJ), o caso do Ninho do Urubu pode abrir um precedente importante no país do futebol. “O judiciário tem tudo para dar o exemplo de que um clube da magnitude da Flamengo pode ser responsabilizado pela negligência dos seus dirigentes. Que a gente mude essa história e a justiça seja feita dentro da legalidade, e as indenizações tenham em vista a gravidade do fato”.
Clube
Campeão brasileiro, carioca e da Libertadores, o Rubro-Negro viveu seu melhor momento em 2019. Este ano, o clube teve lucro aproximado de R$26 milhões após o período de contratações e vendas para a nova temporada. O vice-presidente de futebol Marcos Braz comemorou o resultado financeiro “acima da média” em coletiva de imprensa na última terça-feira (4).
Em vídeo publicado pela “FlaTV”, o Presidente Rodolfo Landim, o Vice-Presidente Geral e Jurídico, Rodrigo Dunshee, e o CEO, Reinaldo Belotti, responderam perguntas feitas pelo clube sobre o Ninho do Urubu. Landim argumentou que o desempenho econômico do Flamengo e o dano causado às famílias são fatos distintos.
“Se o clube tivesse dado prejuízo por acaso não teria mais responsabilidade de pagar as famílias? É importante dissociar as duas coisas”, rebateu. “Estamos dispostos a negociar com as famílias, tentar adaptar a cada necessidade específica uma forma de atendê-los dentro do teto estabelecido pelo clube”, conclui Landim sem dar mais detalhes.
A advogada de uma das famílias Mariju Maciel contesta. Ela ressalta que nunca houve espaço para negociação já que “o Flamengo fez uma proposta fechada, apresentando um teto. A família não aceitou e desde então o clube nunca mais fez contato. Talvez o que mais pese em todas as famílias seja o abandono total”.
Sonho
Todos os meninos do Ninho do Urubu tinham em comum o sonho de seguir carreira no futebol e proporcionar qualidade de vida para suas famílias. Em um vídeo gravado no último jogo do zagueiro Pablo Henrique, de 14 anos, ele comenta emocionado a saudade da mãe em Minas Gerais. “É meu futuro mãe, e o da senhora também”.
“Esperamos que os responsáveis paguem pelo o que fizeram tanto civil quanto criminalmente para que isso nunca mais aconteça. Somos um país de pouca memória. Se os culpados pelo rompimento da barragem de Mariana tivessem sido plenamente penalizados talvez nós não tivéssemos Brumadinho, mas somos um país que esquece das suas dores”, pontua a advogada Mariju que representa a família do Pablo.
Uma iniciativa de conselheiros do Flamengo pode incluir o dia 8 de fevereiro no calendário institucional do clube como “Dia da Memória Rubro-Negra”. Se aprovado no conselho deliberativo, a proposta é homenagear os meninos do Ninho.
O incêndio completa um ano com jogo entre Flamengo e Madureira. Segundo o integrante da torcida organizada “Flamengo da Gente” Rafael Simi diversos coletivos estão preparando ações em conjunto para marcar a data no Maracanã este sábado (8).
“Entendemos que indenização se resolverá como consequência de outras coisas como a memória, para que não seja esquecido e investigação. E, a partir do inquérito, fazer justiça e responsabilizar quem for. Temos muito orgulho do que o Flamengo se tornou em 2019, mas por outro lado a gestão 100% empresarial não cabe nesse assunto. Tinha que tratar de uma forma mais humana”, diz o flamenguista.
Brasil de Fato