IMPRESSÕES – CLOVIS DA SILVA ALVES

Sempre estamos reclamando que nunca temos tempo para nada, seja porque trabalhamos demais, seja porque acumulamos tarefas demais, seja porque queremos fazer tudo, seja porque queremos “abraçar o mundo com as nossas pernas e braços”.

O certo é que não temos tempo e, por isso, sempre inventamos situações que nos impedem de perceber determinados hábitos que realizamos no automático; ou estamos muito cansados do nosso dia-a-dia, nosso cotidiano, sempre cheio com as mesmas coisas.

Em meio a essa lógica, fomos invadidos, em todos os níveis da sociedade, em todos os cantos do mundo, por um elemento assustador, algo invisível, algo imaterial que nos causa pavor: um vírus denominado de NOVO CORONAVÍRUS, transmissor da COVID-19, que teve seus primeiros representantes no continente asiático, na China, em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan.

Embora sejam muitas as versões que podemos encontrar nos veículos de comunicação sobre como teria surgido o primeiro caso de COVID-19, a mais aceitável talvez seja a de que nasceu de uma zoonose. Mas o que vem a ser as zoonoses? São doenças infecciosas, de acordo com a Wikipedia, capazes de ser naturalmente transmitidas entre animais e seres humanos.

Também é certo que o vírus se proliferou entre morcegos, adaptou-se àquela espécie e depois migrou para os humanos, utilizando-os como hospedeiros, causando mortes em todo o mundo.

Em meio a essa tragédia que se abateu nos quatro cantos do Planeta, com uma doença de transmissão rápida e sem medicamentos específicos, foi adotado como essencial ao seu combate, o ISOLAMENTO SOCIAL, um termo que hoje é de conhecimento público, com sua menor ou maior rigidez.

O “fique em casa” foi disseminado em toda a rede de comunicação global e, em tempos de redes sociais, o “#fiqueemcasa” é o carro-chefe de todas elas. O que, diga-se de passagem, até que se descubra algum medicamento ou vacina, está funcionando.

Assim, ficar em casa virou regra para os mais responsáveis, para manutenção de nossas vidas e das vidas das pessoas que nos rodeiam e as que nós amamos. Ao ficar em casa contra a disseminação da doença, reaprendemos a viver em certo isolamento – se é que um dia aprendemos – e a realizar velhos hábitos ou cultivar novos.

No meu caso, com tanto tempo disponível, embora trabalhando de forma remota, pude ajudar mais na lida doméstica. Entretanto, ao sair de casa somente para o estritamente necessário e indispensável, como idas ao supermercado, que nunca foi muito minha praia, e às farmácias à procura de álcool gel (ouro branco neste momento), máscaras e medicamentos.

Pois bem, neste isolamento, voltei a praticar um hábito dos tempos de adolescência e vida escolar regular: a LEITURA. Anoitecendo e amanhecendo sem poder sair de casa, voltei a fazer pequenas leituras diárias, evoluindo, assim, para leituras mais longas. Foi aí que resolvi: vou ler livros que tenho vontade de ler com imersão em suas problemáticas.

Então, o primeiro que veio à minha mente foi “ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”, de José Saramago, autor que nasceu em 1922, em Portugal, e veio a falecer em 2010 nas Ilhas Canárias, no mesmo país.

Por sorte, minha filha mais velha o tinha na pequena biblioteca que cultiva com os irmãos. Qual não foi a ansiedade que iniciei a leitura pelas orelhas da obra, quando assim iniciou o relato: “Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquina esperam o sinal mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move(…)”.

Antes de iniciar a leitura, realizei um gesto automático. Gesto automático é aquela ação que realizamos sem planejar, sem perceber, sem visualizar as consequências, simplesmente realizamos porque está incrustado na nossa mente, que repetimos tantas vezes sem nos dar conta.

Esse meu gesto automático, sempre que tenho um livro em mãos, é FOLHEÁ-LO BEM PRÓXIMO DE MEU NARIZ, para sentir o seu cheiro. Não importa se o livro é velho ou novo, mas, confesso, que esse ato feito em um livro novo é muito mais prazeroso.

A leitura das primeiras páginas não me trouxe nenhum entusiasmo. Levantei-me, sai um pouco do recinto interno de minha residência. Fui tomar um pouco de vitamina D, expondo-se ao Sol do início da manhã. E fiquei ali, esquentando o corpo, perguntando-me: será que desaprendi a ler, será que não estou entendendo o que leio? De fato, aquela leitura não estava caindo no meu gosto.

Cheguei à página 67 e ainda com o mesmo sentimento. Meu Deus, o que estava se passando? A leitura não estava boa. Texto com frases longas, com muitas vírgulas, poucos pontos finais. As perguntas realizadas entre os personagens não tinham os pontos de interrogações. Para entender que era uma pergunta, eu tinha que parar a leitura, reler toda a frase, como disse, muitas das vezes, longa, para vislumbrar que o personagem estava perguntando.

Outra coisa, a forma de escrever era de um português. Tive dificuldade para me adaptar como um lusitano fala e escreve, um pouco diferente do nosso português.

As páginas lidas foram se avolumando. A obra, como ela próprio diz, é “ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”, e os personagens quase todos são pessoas que ficaram cegas de uma hora para outra, sem explicação, sem que a ciência pudesse atribuir uma causa direta e indireta.

Com o andar da leitura, fui percebendo que a cegueira atingiu a todos, exceto à mulher do médico, que por sinal era ele oftalmologista. Também não houve explicação porque foi a única personagem que manteve a visão.

Passei meus dedos no molha-dedo, conferi o número de páginas que estavam a faltar. Fiquei a contar. Estava à página 231. A obra terminava à página 310. Parei. O último capítulo a que tinha lido, voltei a leitura duas vezes. Resolvi então escrever e percebi que minhas frases escritas estavam se conectando à obra de José Saramago.

Descobri naquele momento que tinha me apaixonado pela obra. Passei a ler de forma mais lenta, indo e voltando. Consultando palavras não conhecidas.  Querendo marcá-las com marca texto, mas não podia, pois o livro não era meu. Agora, a leitura ficou prazerosa. Deu-se a imersão total. A cada nova página, uma sensação de prazer. Ao terminar, comecei a sentir falta de seus personagens, da sua leitura. Já iniciei a leitura de uma outra obra. Espero que continue me despertando para novas experiências, outras percepções.

A primeira IMPRESSÃO passou, foi embora, perdeu-se na imensidão das letras, das palavras. O restante da obra foi como um amor correspondido. E é nesse ponto que chego à essência dessa leitura, as IMPRESSÕES.

Assim, como essa leitura, na vida somos cheios de impressões. Impressões boas e ruins, positivas e negativas. Não à toa há o ditado ou o jargão popular “a primeira impressão é a que fica”.

Quantas vezes conhecemos alguém e a primeira impressão traz uma opinião negativa, tipo, não gostei dela por isso, não gostei dela por conta daquilo. Ela é uma pessoa ranzinza, amargurada, fria, azeda, irônica. Quantas vezes, por conta dessa primeira impressão, não estreitamos laços de amizade ou não frequentamos ambientes para não compartilhar momentos com aquela pessoa.

Assim como com pessoas, também acontece com ambientes, locais, cidades. A primeira impressão, principalmente quando negativa, atrapalha nosso envolvimento, nosso gosto. É necessário deixar de lado o superficial e buscar o além da primeira impressão.

Quem sabe, no âmbito da pandemia, ressurgimos, em nossa insignificância, como seres mais humanizados, procurando aprender a abstrair o momento inicial, nas nossas relações sociais, resistindo a essas IMPRESSÕES, dando oportunidade para o conhecimento, o aprofundamento.

 

 

* Clovis da Silva Alves é bacharel em direito, técnico judiciário do TJRN e chefe de secretaria da 3ª Vara Criminal de Mossoro-RN. E-mail: [email protected].

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