Historiografia da Seca em Mossoró: algumas notas

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Ao debruçar-me, nesta semana, sobre a história de Mossoró, não pude deixar de impressionar-me com o quadro pretérito da seca. Embora já tenha estudado antes, principalmente quando debrucei-me sobre o Seridó durante meu mestrado (2000-2002), rememorar e comparar com os dias atuais foi bastante significativo. Trago aqui algumas reflexões.

A pior seca da história do sertão do Nordeste brasileiro é a registrada entre 1877 e 1880. Os registros historiográficos são efusivos e os dramas sociais e individuais marcaram profundamente o imaginário social. Em Mossoró, ela fora registrada por Felipe Guerra, citado por Vingt-Un Rosado em seu “Mossoró” (2006):

“Para Mossoró e outros pontos do litoral retiram-se as famílias acossadas pelas secas, todos andrajosos, famintos e na maior miséria vão perecendo pelas estradas. Calculava-se em 3.000 o número de habitantes de Mossoró, a esse tempo. Existiam em Mossoró, no fim de dezembro, cerca de 25.000 pessoas, cuja ocupação era terem fome e morrerem de míséria ou de peste, a tudo expunham-se para receber um litro de farinha” (p. 52).

O quadro de desolação é de uma catástrofe hoje inimaginável. Não havia ação estatal alguma de combate ao fenômeno sócio-climático da seca. Não havia DNOCS ou mesmo ação social. Não haviam barragens, adutoras ou açudes. Em um sertão rural, a saída era a migração em massa para o centro urbano mais próximo. No caso do Oeste Potiguar: Mossoró. De três mil habitantes a cidade passa a ter vinte e cinco mil, seis vezes mais a sua população de início de 1877. Nos dias atuais, é como se Mossoró pulasse para quase dois milhões de habitantes.

Continua o historiador:

“Dessa população adventícia, rara era a pessoa que vestia uma camisa sã, ou vestidos sem remendos. Muitos, que antes eram possuidores de média abastança, estavam ali agora esmolando de porta em porta, por haverem atingido a máxima miséria; e vão caindo mortos por seus casebres improvisados ou pelas ruas e calçadas, donde são levados para a vala comum, por homens pagos para o transporte, e que com o cadáver atado a uma vara, sobre o ombro de dois carregadores, seguem a cantarolar, no seu desempenho de lúgrube missão” (ROSADO, 2006, p. 52).

O quadro de miséria absoluta toma conta de Mossoró, cidade comerciante e próspera às margens do rio de mesmo nome. Morrem por dia de 40 a 50 seres humanos, prolongando-se a tragédia por 1878. O quadro de violência é agravado até 1879 sem ação alguma dos governos centrais. Hoje, a seca que assola e destrói as pequenas economias tem impacto infinitamente menor sobre uma região que se “desruraliza” e cujo papel do Estado (RN e União) é bem mais ativo.

O aumento da população mossoroense migrante não é mais causado pela seca, mas pela capacidade da cidade de atrair novos investimentos e de oferecer oportunidades de emprego. A violência, porém, embora não mais causada pela seca, ainda é fomentada pela desigualdade social, econômica e por uma espacialidade urbana perversa: flagelos novos, que atentam para os velhos flagelos.

Citação

ROSADO, Vingt-Un. Mossoró. Mossoró: Fundação Vingt-Un Rosado, 2006.