Governo federal pode ser responsabilizado por mortes da Covid-19, dizem médicos e cientistas

Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que já perderam esperança de Ministério da Saúde abrir diálogo com comunidade científica

SÃO PAULO – O histórico de medidas do governo federal que prejudicaram, em vez de ajudar, o combate à Covid-19 no Brasil atingiu limite que faz médicos e pesquisadores perderem a esperança na possibilidade de diálogo, afirmam pesquisadores consultados pelo GLOBO.

Especialistas que, mesmo num cenário de desacordo, buscam ser ouvidos para políticas públicas para resposta à pandemia afirmam não ver perspectiva de melhora no combate à Covid neste governo.

Em carta publicada na noite desta sexta-feira (22) na revista médica “The Lancet”, o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, que coordena pesquisa nacional sobre prevalência da Covid-19, disse que se o Brasil tivesse tido um desempenho apenas “mediano” no combate ao vírus, mais de 150 mil vidas teriam sido salvas.

“A população brasileira representa 2,7% da população mundia. Se o Brasil tivesse tido 2,7% das mortes globais de Covid-19, 56.311 pessoas teriam morrido”, escreveu o pesquisador. “Contudo, em 21 de janeiro, 212.893 pessoas já tinham morrido de Covid-19 no Brasil. Em outras palavras, 156.582 vidas foram perdidas no país por subdesempenho.”

Segundo o epidemiologista, o governo federal tem um peso maior de culpa nessa avaliação.

— Se essa responsabilidade é compartilhada entre governo federal, estados e municípios ou se é uma responsabilidade mais concentrada no governo federal, que é a minha opinião, isso é questão para debate, mas o número é indiscutível — disse Hallal ao GLOBO.

O pesquisador, que teve verba federal para seu projeto cortado em agosto do ano passado e teve nomeação para reitor declinada por Bolsonaro, afirma estar sofrendo perseguição.

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Outra cientista que publicou crítica contumaz ao governo federal nesta semana foi a sanitarista Deisy Ventura, da USP, que liderou um projeto para mapear todas as medidas normativas do governo, além de atos de propaganda e atos de contestação a outros entes da república que buscavam combater a Covid-19.

“Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, escrevem Daisy e sua coautora Rossana Reis. “O que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus.”

Entre medidas nocivas tomadas pelo governo federal apontadas pela pesquisadora estão aquelas que buscaram dificultar a implementação do distanciamento social, apregoar ao uso de drogas sem comprovação científica e omissões na coordenação nacional para organizar o combate à pandemia e prover recursos. Só os atos normativos contrários a recomendação de entes técnicos foram 21 compilados até agora.

OGLOBO

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