Geraldo Maia do Nascimento – 133 anos de “Libertação”

Em 30 de setembro de 1883, a exatos 133 anos, Mossoró declarava-se “livre da mancha negra da escravidão”. Não foi a primeira cidade brasileira a declarar libre os seus escravos. “Coube-lhe, no entanto, a saliente posição de fazer a redenção de elemento servil com mais ardor, com a solidariedade total de suas forças administrativas e políticas, num movimento eminentemente nacional, comentado pela imprensa das capitais do norte e do sul do Império e também por um órgão da imprensa norte-americana, além de ser observada e interpretada na Corte e nos seus gabinetes pelo destemor do comunicado ao Imperador D. Pedro II, de ter Mossoró feito a libertação sem ajuda imperial”, como disse Lauro da Escóssia. O comunicado a que se refere Lauro, foi um telegrama ao Imperador, despachado pelos abolicionistas Romualdo Lopes Galvão, presidente da Câmara Municipal, e Almino Álvares Afonso, grande tributo da liberdade, comunicando o fato.

Mossoró foi a primeira cidade do Rio Grande do Norte a fazer campanhas sistemáticas para libertação dos seus escravos. Não foi uma luta de poucos; foi uma luta que envolveu, de uma maneira ou de outra, toda a cidade. E por ter sido uma luta coletiva, pacífica e pioneira no Estado, é comemorada ainda hoje como sendo a maior festa cívica da cidade.

O Rio Grande do Norte não chegou a ser um Estado que dependesse da mão de obra escrava para o seu desenvolvimento. A 1º de setembro de 1848, Casimiro José de Morais Sarmento, deputado geral pelo Rio Grande do Norte, falava na sessão daquele dia:

“Concorda em que o trabalho do escravo não é necessário. No Rio Grande do Norte há poucos escravos, e quase toda a agricultura é feita por braços livres. Conhece muitos senhores de engenho que não têm senão quatro ou cinco escravos, entretanto que têm 20, 25 e 40 trabalhadores livres, e se não os têm em maior número, é pelo pequeno salário que lhes pagão. Disto se convenceu o orador quando ali foi presidente, porque em consequência de elevar o salário a 400 reis por dia, nunca lhe faltarão operários livres para trabalharem na estrada que teve de fazer”.

Mossoró, particularmente, nunca foi uma cidade escravocrata. Possuía apenas 153 escravos em 1862, para uma população livre de 2.493 indivíduos. Estatisticamente o percentual era insignificante. A cidade não tinha engenhos; cuidava do gado e para isso não precisava de muitos braços.  A ideia de libertação foi trazida do Ceará, através da Loja Maçônica “24 de junho”, e conquistou a opinião pública. E como isso aconteceu?

Em 6 de janeiro de 1883 foi criada “A Sociedade Libertadora Mossoroense”, uma entidade cujo objetivo era tornar viável a libertação de todos os escravos da cidade de maneira pacífica e ordeira. A Sociedade Libertadora tinha um Código, com um único artigo e sem parágrafos, onde estava determinado que “todos os meios são lícitos a fim de que Mossoró liberte os seus escravos”.

Nessa época, Mossoró contava apenas com 86 escravos. A 10 de junho eram alforriados 40 desses escravos.

No dia 30 de setembro de 1883, a cidade amanheceu com as ruas todas engalanadas de folhas de carnaubeiras e bandeiras de papel coloridas. A alegria contagiava todos os lares. Ao meio-dia, a Sociedade Libertadora Mossoroense se reunia no 1º andar do prédio da Cadeia Pública, onde funcionava a Câmara Municipal (hoje, Museu Municipal Lauro da Escóssia). O Presidente da Sociedade Joaquim Bezerra da Costa Mendes, abre a solene e memorável sessão, lendo em seguida, diversas cartas de alforria dos últimos escravos de Mossoró, e depois de emocionado discurso declara “livre o município de Mossoró da mancha negra da escravidão”.

Depois da sessão, a festa tomou as ruas da cidade.  O Dr. Almino Afonso pronunciou inúmeros discursos, empolgando os auditórios que o aplaudiam delirantemente. E foi também o Dr. Almino Afonso que criou o “Clube dos Spartacos” composto, na sua maioria, por ex-escravos, tendo sido eleito presidente o liberto Rafael Mossoroense da Glória. A função desse clube era de dar abrigo e amparo aos ex-escravos, que aqui chegavam por mar ou por terra. Era a tropa de choque dos abolicionistas. Como território livre, Mossoró passou a ser procurada por todos os escravos que conseguiam fugir. Sabiam que aqui chegando, encontravam abrigo. O Clube dos Spartacus sempre conseguia evitar que os escravos voltassem com os donos. Tudo isso aconteceu cinco anos antes que a Princesa Isabel assinasse à famosa “Lei Áurea”, que acabava com a escravidão em todo território nacional.

O dia 30 de setembro passou a ser a grande data cívica da cidade. A Lei nº 30, de 13 de setembro de 1913, declara feriado o dia 30 de setembro que até os dias atuais é comemorado com muito entusiasmo pela cidade de Mossoró.