Geraldo Maia – As Mezinhas do nosso Sertão

Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

Mezinhas ou Meizinhas significam remédios caseiros ou manipulado em farmácias do interior, geralmente com o uso de ervas medicinais. Foram, por muitos e muitos anos, os únicos remédios acessíveis ao homem do campo, principalmente no alto Sertão potiguar.

O início da ocupação do Sertão nordestino deu-se por volta de 1701, quando uma Carta-Régia determinou a retirado do rebanho das terras litorâneas. As 10 primeiras léguas (aproximadamente 60 Km), a partir da quebra do mar, estavam reservadas para a plantação de cana-de-açúcar. Restava, pois, aos criadores de gado o sertão.

E foi no rastro do gado que o sertão foi colonizado. Os pecuaristas aproveitavam os leitos secos dos rios como estradas para conduzirem as suas boiadas e quando chegavam num lugar plano, fora da faixa proibida, construíam os seus currais, erguiam as suas cabanas, fixavam-se na terra.

Para a construção das cabanas primitivas, o couro do boi era usado em grande escala. De couro eram as portas e janelas dos casebres, o lastro das camas rústicas, os baús de guardar objetos e roupas, os depósitos para a farinha, os arreios dos animais, o chapéu do vaqueiro, o gibão que os protegia, o peitoral que protegia igualmente os animais dos espinhos e pontas de galhos secos.

E por muito tempo o Sertão viveu praticamente isolado do litoral, ou como podemos até dizer, da civilização, mantendo assim puro os seus costumes, suas rezas e suas tradições.

Os dias do Sertão eram obscuros e longos, pois ainda se vivia ali, a era das curas pelas rezas, dos exorcismos e de tantas obras práticas do charlatanismo. Era muito comum as criaturas adoecerem e morrerem de males desconhecidos.

Os remédios de botica, como eram chamadas as farmácias de antigamente, eram raros e caros, longe do poder aquisitivo do sertanejo. Sobrava, portanto, os remédios caseiros ou mezinhas. As folhas, as raízes, sementes e cascas desempenhavam largas influência na atividade da medicina sertaneja. A maior parte dos remédios era mesmo de origem vegetal.

Na realidade o que se sabia é que havia um chá para cada doença, uma indicação, um recurso de cuja eficácia não cabia levantar suspeitas. Sua variedade era imensa e rica como a própria flora, donde vinha. O fedengoso, por exemplo, deixou fama, assim como a jurubeba branca. O cozimento de raiz de velame. A batata de purga. O cardo santo, para dor de garganta. A infusão de malva e agrião, para mal do peito. O chã de cravo de defunto, para doenças dos olhos. A cabacinha e a cabeça de negro, como depurativos. Cebola branca, serenada, para catarro. Chá de alho para gripe. Mel de juá, também indicado para doença do peito. Cumaru e sucupira para reumatismo. Mossoró para enfraquecimento. Babosa, (nove folhas lavadas em nove águas) feito mel com açúcar branco para escarro de sangue. Capeba, para doenças do fígado. Jindiroba, para reumatismo. Mão-fechada, para dor de mulher. Catucá, calmante, difumante, jatobá, para os rins e vias respiratórias. Milona, para o fígado. Alcançus para tosse. Mastruço, com leite, para a bronquite. Leite de pião, para mordida de cobra. Língua de vaca, para o baço. Melancia da praia, para dor de lado. Jucá, para espalhar o sangue. Maxixe do Pará, (a flor) para puxado. Casca de jabuticaba, para dor de barriga. Velame branco, para afinar o sangue. E mais rapa de juá, folha de abacate, capim santo, folas de laranjeira, como remédios de casa, para todas as indicações. Papa de araruta par acurar ulcerações gástrico-intestinais.

Haviam ainda as garrafadas, preparadas por especialistas, e que segundo se dizia, arrancava o mal pela raiz.

A relação de doenças era de meter medo: quebranto, olhado, espinheira caída, dor de veado, mal das juntas, puxado, nó na tripa, ar encausado, cupim, boqueira, fininha, impinge, interiça, cobreiro, sete couros, doença do peito, gafeira, chega-e-vira, dor na boca do estômago, tontura, brotoeja, pereba, pilora, calor de figo, farnezim, dor de mulher, curumba, fogo selvagem, bexiga lixa, caminheira, campainha caída, (também espinhela) mau olhado, dor de bentosidade, ventre caído, bucho quebrado, cabeça de prego, pé triado, mazela, braço desmentido, galco, quebradura, fuá, gota serena, Sapiranga, terçol, andaço, morrinha do corpo, macacoa, sarampo, esquinência, doença interiora, câimbra de sangue, esquentamento e erisipela. E ainda podia-se morrer de: bexiga, garrotilho, estopor, moléstia de ar, moléstia de vento, frouxo, cancro, antrás, gálico, urinas doces, sarampão, tosse, força de sangue, paridura, vício, inchaço, catarrão, maligna, espasmo, sezões, gota, inchaço, puxado, moléstia do peito, ferida na garganta, chagas, maleita, ferida na boca, lombriga, defluxo, pontada, fluxo de sangue, frouxo de sangue, doença gálica, pontada no ouvido, sezões malignas, tumor nas costas, humor recolhido, moléstia do vento, estrepada, caroço na barriga, velhice, inflamação no estômago, cobra, feridas recolhidas, tuberto, endosso, gota coral, caroço no rosto, sarampo, umas cacetadas, uma inflamação nos bofes, quebrandura descida, turo, mordidela de cascavel, uma inchação nos peitos, frialdade, hemorroides, tísica, parto, um tumor, de repente, uma queda, afogado, feridas gomosas, moléstia na barriga, retrocesso de sangue, lufada, uma ferida, dor nos ouvidos, hidrófico, feridas espasmódicas, inchação na cabeça, inflamação no fígado e  estupor.

Assim se curava ou morria o homem sertanejo até bem pouco tempo atrás. Mesmo nos dias atuais, encontramos nas feiras livres muitos dos elementos descritos aqui como medicinais: garrafadas, folhas, raízes e sementes. É a tradição sertaneja desafiando a modernidade.

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