Francinaldo Rafael – Um tapa na cara da gente!

O padre Fábio de Melo relata que viveu uma experiência surpreendente. Estava na quadra da Mangueira onde atendia convite da cantora Alcione, quando a travesti Luana Muniz pediu para tirar uma foto com ele, no que foi atendida prontamente. Mas até o instante do registro fotográfico conta que ficou aflito enquanto pensava: “-‘Meu Deus do céu, se esse rapaz pedir para tirar uma foto comigo? Como que eu vou reagir? Quando, de repente, eu só vi a sombra dele na minha direção, e o meu preconceito, o medo de me expor, tudo vindo à tona. Que coisa horrorosa isso em nós… Como se eu fosse melhor. Isso é mesquinho, é vergonhoso o que eu estou dizendo pra vocês. Aí ele veio, com um vestido longo e falou pra mim: ‘O senhor costuma tirar fotos com pecadoras?’ E eu percebi que tinha uma ironia ali. E eu respondi: mas é claro! E abracei ele e tiramos a foto. Antes de sair, ele disse: ‘eu não acredito que o senhor permitiu’. E os olhos dele estavam emocionados. Assim que ele saiu, Maria Helena, a irmã da Alcione, me contou a história. Ela disse que ele mora na Lapa e criou um grupo que alimenta e recolhe todos os miseráveis daquela região. Ele dá banho, alimenta, não tem nojo de ninguém. E faz de tudo para aquela pessoa retornar à vida. E não é só isso. Ele torna-se uma espécie de vigilante, protegendo os moradores”.

“Quando ela me contou aquela história, eu comecei a unir as coisas dentro de mim. Eu não entro no mérito da questão da vida que ele leva, vamos deixar que Deus faça isso. Não sou síndico da Eternidade. Agora, que é um tapa na cara da gente, é! Aquele que você enxerga e que, naturalmente, provoca um desconforto por ser tão diferente de nós, não sabemos quantas coroas da dignidade foram recolocados na vida daquela pessoa quando ele alimenta o próximo. Você é cristão e nem sempre está disposto a cuidar de quem está doente, colocar dentro da sua casa e dar de comer”.

“Não cabe nenhum julgamento do lado de lá, cabe aqui. Quando Deus coloca essas pessoas diante de nós, é para desmoronar os castelos de ilusão que nós criamos dentro. Como se o nosso cristianismo tivesse pronto. Como se nós já tivéssemos chegado ao último estágio dessa santidade que Deus nos convida. Não, eu ainda me envergonho dos que são diferentes de mim. Eu ainda tenho medo de ir ao encontro daqueles que precisam de mim. E a palavra de Paulo é dura: a missão de vocês é junto daqueles que estão necessitados”, conclui o padre Fábio.

O fato narrado convida-nos a refletir sobre nossos comportamentos – muitas vezes recheados de preconceitos – diante de pessoas cujas vidas não se enquadram exatamente no padrão que consideramos o correto. Mas para nossa surpresa, lições de amor, de caridade, de fraternidade, vem exatamente deles. Como disse o padre, é um tapa na cara!