Fortaleza lidera taxa de novos casos de coronavírus nas capitais e Ceará já requisita leitos de hospitais privados

Covid-19 já está em mais de 90% dos bairros da capital cearense e em 45 dos 184 municípios do Estado. Governo diz que vai ressarcir uso de equipamentos privados, mas não determina valor

A incidência de voos e o fluxo de estrangeiros na rotina do Ceará despertaram a atenção, a partir do dia 15 de março, para o problema que se confirmaria menos de um mês depois: o Estado se transformou no terceiro do país em número de casos da Covid-19, que começou na China e espalhou pelo mundo todo a partir de fevereiro. Porta de entrada da doença, Fortaleza é a capital brasileira com maior taxa de novos infectados, sendo 34,7 a cada 100 mil habitantes. Há uma média de duas mortes atribuídas à doença por dia no Estado. Como retaguarda, a rede pública de saúde se prepara para fases mais agudas do contágio, com pico previsto para a última semana de abril. Entre as principais medidas estão a construção de um hospital emergencial em um estádio de futebol, a montagem de hospitais de campanha e a conversão temporária de quartos de hotel em leitos. Há ainda uma estratégia ainda pouco usada no resto do país: a requisição de leitos e equipamentos na rede particular. Em plena Semana Santa, a mensagem do Governo do Estado num dos polos turísticos do país é reforçar o isolamento social, apesar da grita de comerciantes e da indústria.

A Covid-19, que entrou no Estado por Fortaleza, que abriga o quinto aeroporto em volume de trânsito de voos internacionais no país, está em mais de 90% dos bairros da capital e em 45 dos 184 municípios. Até às 17h dessa quarta-feira, haviam sido registrados pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) 1.374 casos confirmados e 53 óbitos, o que coloca o Ceará entre os três Estados que passaram da marca dos mil infectados – São Paulo e Rio de Janeiro lideram. No Brasil inteiro, os óbitos chegaram a 800 nesta quarta, com 15.927 infectados.

De acordo com o secretário da Saúde do Estado, Carlos Roberto Sobrinho (Cabeto), por dia, há uma média de 300 internações por Covid-19, sendo metade em unidades de terapia intensiva (UTIs), e 90 altas. “Precisamos intensificar o isolamento. Conversamos sobre eventuais ações restritivas com Guarda Municipal e polícia, mas não queremos que seja preciso fazer isso”, disse ele. Segundo Cabeto, a restrição é chave na batalha do tempo. Quanto menos veloz for a cadeia de contágio no Estado, mais tempo haverá para estruturar a rede de atendimento.

Leitos na rede privada

Para tentar dar vazão aos atendimentos, o Governo do Estado requisitou —ou seja, tomou para uso emergencial —o privado Hospital Leonardo da Vinci, que dispõe de 230 leitos de internação e de UTI. O local estava fechado havia 13 anos e teve de ser reformado para receber os pacientes. Na segunda-feira, a taxa de ocupação na unidade era de 15,7%. Nesta quarta, estava em 49,46% às 17 horas. A ideia é que, até o fim da semana, o hospital esteja funcionando em sua totalidade.

Além dele, outros hospitais, espaços e equipamentos foram requisitados pelo Governo para uso da rede estadual: o particular e desativado Pronto Socorro dos Acidentados, o particular e em funcionamento Hospital Batista Memorial e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará. Nos três casos, a justificativa é a mesma: “inadiável necessidade de ampliar a capacidade de atendimento na rede pública estadual”. Conforme a portaria estadual 2020-342, a requisição perdurará enquanto houver necessidade. A Secretaria da Saúde fará inventário, avaliação dos bens, manutenção, reparos necessários e indenizará as partes, mas não especifica valor no documento. Através da parceria com o NPDM, será possível aumentar em 34 os leitos de UTI do Hospital Leonardo da Vinci.

Em paralelo, estão sendo feitos hospitais de campanha nos estacionamentos dos hospitais Carlos Alberto Studart (Messejana), César Cals e Hospital Geral de Fortaleza (HGF), com 150 leitos novos leitos entre os três. Para o incremento total de mais de 600 leitos, o Estado está investindo 245 milhões de reais. No interior, a estratégia é estruturar um hospital de referência em cada uma das cinco regiões de saúde do Ceará.

Outra medida para suprir o aumento na demanda é a construção de um hospital de emergência no estádio Presidente Vargas, o PV. O custo total é 80 milhões de reais e está a cargo da Prefeitura de Fortaleza. Segundo o secretário de Governo do município, Samuel Dias, o gasto com a parte física é 5% do valor total e não inclui compra de equipamentos, insumos e despesas com pessoal. A decisão sobre o PV recebeu críticas porque não prioriza o reaparelhamento de unidades já existentes, mas a criação de uma unidade temporária. O prefeito Roberto Cláudio (PDT) justifica a escolha pelo fato de concentrar os pacientes em um só espaço. Como serão 204 leitos e possibilidade de ampliação de mais 100, o prefeito acredita que nenhuma unidade já existente comportaria reforma para suportar tamanha ampliação.

Nos principais eixos da rede privada em Fortaleza, há também movimentação. O Hospital Unimed montou uma unidade de campanha no estacionamento, com 44 leitos em 720 metros quadrados. Segundo a assessoria de imprensa do hospital, ainda não houve necessidade de usar os leitos, construídos em uma semana. Dos 336 leitos, 100 serão para internação de pacientes com Covid-19 e 22 para UTIs. Ontem o Sistema HapVida anunciou que está avaliando arrendamento de hotéis em várias cidades do país.

Hub e indústria do turismo

Em Fortaleza, há negociações avançadas com o Hotel Sonata, na Praia de Iracema. Em caso de necessidade, o hotel receberia pacientes com outras doenças, para desafogar a rede no atendimento à Covid-19. Vicente de Paiva Neto, do conselho fiscal da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH), afirma que o setor de turismo trabalha com outras 52 áreas agregadas e é um dos que mais está sentindo o impacto do isolamento. Contudo,busca outras formas de contribuir. O Hotel Meridional, no centro de Fortaleza, está hospedando a preço de custo profissionais de saúde. “É uma opção humanitária”, afirma Neto.

O fluxo da doença no Ceará é, em parte, consequência da bem-sucedida estratégia de inserção turística do Estado nos últimos anos. Desde 2018 o Hub Aéreo de Fortaleza, que ampliou o aeroporto da capital, estreitou as conexões do Ceará com outros países. Segundo a Secretaria do Turismo do Estado, pelo Hub Air France/KLM/GOL, há voos diretos para Paris, Amsterdam, Miami e Orlando; e, pela Air Europa, para Madri. Além do hub, há trechos diretos para Lisboa, Buenos Aires, Caiena e Ilha do Sal.

Eram 40 frequências semanais internacionais até o coronavírus se intensificar e todos os voos serem interrompidos. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de 2018 para 2019 o Aeroporto de Fortaleza passou do nono para o quinto lugar entre os aeroportos que mais tiveram passageiros pagos em voos internacionais, quase em empate com a movimentação da capital, Brasília.

EL PAÍS

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