Flávio Bolsonaro candidato à Presidência: a política do anúncio e a fabricação de cenários incertos

A comunicação política não se limita à transmissão de fatos. Ela atua como dispositivo de produção de percepções, reordenamento de sentidos e tensionamento simbólico entre atores. O anúncio de Flávio Bolsonaro como potencial candidato à Presidência, ungido “publicamente” pelo pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, exemplifica uma estratégia em que a informação não funciona como ponto de chegada, mas como ponto de partida. A declaração não encerra possibilidades: ela inaugura cenários, testa reações e desloca agendas. Em um ambiente mediado pela visibilidade, como argumenta John Thompson, o ato comunicacional antecipa a realidade antes mesmo de confirmá-la.

 

A família Bolsonaro domina esse repertório desde 2018. A instabilidade, longe de improviso, constitui método. O gesto de Jair Bolsonaro ao escolher Flávio possui valor ritual, pois reafirma hierarquias internas, consagra uma linha sucessória e recoloca o núcleo familiar no centro do debate público. Trata-se do retorno do bolsonarismo raiz à cena, com a expectativa de reagendar a mídia tradicional e mobilizar o núcleo militante. O “herdeiro ungido” não é apenas anunciado; ele é performaticamente legitimado. O gesto adquire força justamente porque se ancora na autoridade paterna e no capital político já acumulado.

 

O efeito foi imediato. Lideranças partidárias, analistas e formadores de opinião passaram a interpretar o anúncio como marco definidor da disputa de 2026. Entretanto, assumir tal gesto como definitivo revela equívoco analítico. Benjamin Moffitt, ao desenvolver o conceito de estilo performativo populista, mostra que lideranças com alto potencial de mobilização operam pela dramaticidade estratégica: instauram crise, teatralizam decisões, produzem incerteza. A política, nesse registro, não é apenas comunicada; ela é encenada.

 

A oferta pública do nome de Flávio cumpre, ao menos, três funções. A primeira consiste em confundir aliados e adversários, deslocando-os para um campo de especulação. A segunda opera como mecanismo de proteção do capital político familiar, um patrimônio simbólico, nos termos de Pierre Bourdieu, passível de transferência, reconversão e publicização. A terceira função é instrumental: testar previamente graus de aceitação, engajamento e reação da opinião pública, antes que qualquer definição institucional seja consolidada.

 

Mesmo quando Flávio declara, 48 horas após o anúncio, que desistiria da candidatura mediante um “preço” político, tal enunciação compõe o próprio roteiro. Por isso, qualquer leitura conclusiva torna-se precipitada. A política operada por atores que se estruturam sobre vínculos afetivos intensos funciona com base no que denomino suspensão estratégica: manter cenários abertos, sem fechamento definitivo, para induzir reações dispersas e desordenadas dos demais agentes.

 

Jair Bolsonaro não apresentou apenas um nome; apresentou um processo. Ao ungir Flávio, reafirma autoridade sobre o campo conservador e reinsere a família no centro do debate, ainda que nada esteja formalmente confirmado. Se o movimento avança, o terreno simbólico já está preparado. Se recua, o efeito performático permanece.

 

A política contemporânea converteu-se em disputa permanente por atenção. E a família Bolsonaro compreendeu, antes dos demais, que não é necessário decidir para exercer poder; basta anunciar, sugerir, acenar. A antecipação passa a ser, ela própria, ato político.

 

Enquanto atores institucionais reagem a um gesto que pode ou não se materializar, o controle do tempo narrativo, do enredo e dos códigos simbólicos permanece concentrado no mesmo núcleo. Essa é, em síntese, a lógica comunicacional da era da performance: transformar o gesto, ainda que incompleto, em estrutura de poder.

 

Por Vanessa Marques- jornalista

 

Foto: Arthur Menescal/Bloomberg/Getty Images)

Deixe um comentário