Fato do Príncipe e o pagamento das verbas rescisórias em tempos de Coronavírus

há 3 dias

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Lembro-me até hoje da aula de Direito do Trabalho na graduação, com o prof. Juiz do Trabalho do TRT 15ª, Dr. Álvaro dos Santos, quando tratamos de “fato do príncipe”.

Fiquei intrigada com o instituto! Primeiro por se chamar “fato do príncipe” e não sermos uma monarquia, e depois pela situação calamitosa que o instituto prévia: ÚNICA hipótese em toda a CLT que excluiria a responsabilidade da empresa no pagamento das verbas rescisórias, por motivo de forma maior.

Pensei comigo: “nossa, mas eu nunca vou usar esse instituto na minha vida”….

Vamos à definição, prevista no art. 486 da CLT:

Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Aqui no meu estado de São Paulo estamos paralisados e muitas empresas, inclusive clientes meus, sem operação desde 23/03/2020. Para a minha cidade de Campinas, a previsão de reabertura do comércio é 12/04/2020. Ou seja, grande parte do comércio com quase um mês sem entradas e, quando normalizada, não é preciso ser economista para saber que o hábito de consumo não será o mesmo, ao menos por alguns meses.

Também não é preciso ser economista para afirmar que a grande maioria das médias e pequenas empresas já se encontravam com o fluxo de caixa comprometido desde a crise de 2018; ficar sem atividade por motivo de força maior irá levar muitas empresas à bancarrota.

Em outras palavras, aos trancos e barrancos, essas empresas conseguiam se manter, na esperança de que as Reformas previstas pelo Governo este ano pudesse contribuir para a melhora dos negócios e reaquecimento da economia. O cenário era timidamente promissor.

Eis que chega em nosso País o Coronavírus, as quarentenas, o fechamento do comércio.

Na tentativa de preservar empregos, o Governo edita a MP 927, porém entendo que esta não atingirá o seu fim.

Segurar o funcionário em casa com o pagamento de salário ou como férias, quando não se tem entradas e sem a certeza de quando tudo irá se restabelecer, vai minar o fluxo de caixa das empresas, quando esta tem um.

Infelizmente para a grande maioria das empresas a falência é o destino certo e as demissões virão. E esses funcionários, claro, não poderão ficar ao relento.

Com este cenário posto, a aplicação do instituto – Fato do Príncipe – é perfeitamente cabível. Mas seria efetiva?

Considerando que as demissões em massa é uma questão de tempo, aplicar este instituto pura e simplesmente comprometeria a integralidade das verbas, e por isso é preocupante o fato de o Governo não ter se manifestado a este respeito até o presente momento, com edição de regulamentos ou ainda um plano para quando essas demissões começarem a acontecer, porque irão, e virão sem o respectivo pagamento das verbas.

Autorizar o parcelamento das verbas sem a obrigação do pagamento da multa rescisória e da multa prevista no art. 477 da CLT, aliado ao o saque do FGTS e habilitação do seguro desemprego me parece, humildemente, uma boa saída para as três partes envolvidas: empregador, empregado e Estado.

Agora, se o Governo permanecer silente sobre a matéria, inevitavelmente teremos uma avalanche de ações trabalhistas; em defesa as empresas irão requerer a aplicação do instituto. A discussão vai durar anos, e o funcionário corre sérios riscos de nada receber.

Julia Dutra Silva Magalhães, é advogada consultora, proprietária da Clue Consultoria

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