Eu estava lá – Márcia Pinto

Quando a primeira bomba foi jogada eu estava na porta principal de acesso da Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças-SEPLAN. A bomba, dizem, é de efeito moral, em mim o efeito foi de terror. Um estrondo que fez tremer a rampa pela qual eu corri com o coração na boca, a cabeça em Cecilia e um sentimento misto de humilhação e dever.

 

Com o celular na mão, quase descarregando, tentei registrar o que vi. Uma polícia cumprindo a determinação de um magistrado que um dia precisou deveras desses contra os quais ele manda usar da força. Dói saber que o juiz Bruno Lacerda Bezerra Fernandes, que ordenou a reintegração de posse, sentou nos bancos da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

 

O pedido de reintegração/manutenção de posse, enfim foi cumprido no dia 24 de novembro de 2017, ironicamente, com a depredação do patrimônio público, físico, humano, ético e moral.  A Polícia Militar do Rio Grade do Norte, que a priori deveria nos proteger, protagonizou o quebra-quebra dentro da SEPLAN. Jogar bomba em um prédio público contra servidores públicos é o que senão destruição, assombro e terror?

 

Que honra pode ter uma polícia que atende a um pedido de um governo “suspeito” de crimes?  Que honra pode ter uma polícia que se posiciona contra seus pares? Essa história não será esquecida! Toda a imprensa potiguar estava lá. As imagens são autoexplicativas!

 

Que crimes cometemos? Lutar pelo pagamento dos nossos salários atrasados? Somos vítimas de um governo que privilegia os poderes e penaliza os verdadeiros heróis desse estado sofrido.

 

Eu vi, o Tenente Coronel chegar na SEPLAN dizendo que queria conversar. Este mesmo Servidor do Estado, desceu a rampa com ira nos olhos: “Tirem as crianças e os idosos porque nós vamos entrar!” Eu, nervosa, perguntei: “Coronel, o que vai acontecer?” O repórter de TV ao meu lado diz: “Vocês vão usar a força, Coronel?” “Sim, nosso pessoal tá autorizado a usar a força de forma progressiva”.

 

Sou servidora pública concursada, trabalho na UERN, com orgulho, há 11 anos. Já participei de outras greves, todas necessárias e legítimas, por reajuste salarial. É a primeira vez que paramos, exauridos, unicamente pelo direito constitucional de receber o pagamento de nossos salários já defasados há mais de 7 anos. Paramos em nome do que nos resta: nossa dignidade! Mas o governador Robinson Faria sequer recebe a categoria para dialogar, manda representantes de seu governo anêmico e inábil que se limitam a dizer que o estado não tem dinheiro. Não há diálogo, não há respeito, não há boa vontade, não há proposição… é só autoritarismo e imposição!

 

Entretanto, em cumprimento a outra ordem judicial, 40 milhões de reais (o que seria suficiente para pagar duas vezes toda a folha de pessoal da UERN e ainda sobrava um trocado) foram pagos aos magistrados, inclusive ao Juiz Bruno Lacerda, na mesma semana em que os professores da UERN e os Servidores da Saúde receberam apenas truculência, bomba e spray de pimenta. Sabemos que esse dinheiro do Tribunal de Justiça do RN corresponde aos repasses referente ao duodécimo, mas não deixa de ser dinheiro do mesmo Estado em dificuldade financeira, como dizem os “especialistas financeiros” do governo. Foi, no mínimo, inoportuno este pagamento de “auxílio-moradia” diante do atual caos instalado na vida de muitos servidores que, provavelmente, não consigam honrar suas modestas moradias.

 

Por que a justiça determina prontamente o pagamento retroativo de um auxílio-moradia (legal, mas imoral) de um magistrado que já recebe um generoso salário, inclusive pago em dia, e não age com a mesma idoneidade e celeridade com os outros servidores do Estado? É fácil julgar com dinheiro na conta, “doutores”!

 

Eu vi, eu estava lá. Que bom que eu estava lá!

 

Márcia Pinto – Professora da UERN.

(Foto: Gil Ferreira – CNJ).