ENTREVISTA: “é preciso discutir sobre sexo”, afirma sexóloga

Neste domingo, 31 de julho, é comemorado o Dia Mundial do Orgasmo, data criada informalmente por uma rede de sex shops na Inglaterra para celebrar o momento de maior prazer sexual alcançado.

Embora não esteja inserido no hall de comemorações especiais e com direito a campanha de conscientização, o Dia do Orgasmo serve de alerta para a realidade de bilhões de pessoas em todo o mundo que jamais experimentaram a sensação e vivem sexualmente oprimidas pelos mais diversos fatores, sobretudo culturais.

Para desmistificar o tema e tentar desconstruir alguns tabus que ainda persistem sobre o sexo, nós do jornal O Mossoroense, contando com a ajuda e questionamentos de alguns leitores, entrevistamos a sexóloga em formação e especialista em terapia familiar, Ana Claudia Carvalho, sobre temas como relacionamento, fetiches e educação sexual.

Confira abaixo a entrevista:

 

Mesmo após a revolução sexual no século passado, você vê que ainda há muitos tabus em relação ao sexo hoje? Se sim, por que o sexo ainda gera tanta polêmica?

Sim. Ainda existe muitos tabus, preconceitos e polêmicas quando o assunto é sexo. Lembro de uma vez que, numa roda de conversa com profissionais da saúde, uma delas perguntou o que eu fazia respondi que sou especialista em relacionamento e sexóloga em formação. Uma das meninas disse que se fosse falar de sexo ela iria se retirar. Mas, por incrível que pareça, essa mulher foi a primeira abrir seu coração e a falar sobre suas dificuldades e hoje sempre conversamos sobre sexo.

Lembro também quando fui reservar um espaço para uma palestra e o proprietário perguntou o assunto da palestra. Quando comecei a dizer o que eu era ele me interrompeu e disse que já bastava, não queria mais falar sobre o assunto.

Neste domingo, 31 de julho, é comemorado o Dia Mundial do Orgasmo, sensação nunca experimentada por muitas mulheres. De acordo com uma pesquisa realizada pela Durex Global Sex Survey com 1.004 brasileiros no ano 2014, apenas 22% das mulheres conseguem chegar ao orgasmo durante a relação sexual. Por que isso ocorre e como mudar esse quadro?

Na verdade, a Anorgasmia é uma disfunção sexual feminina e masculina também, viu! Mas nas mulheres a porcentagem é bem maior. Acontece por diversos fatores psicológicos, físicos, sociais etc. A mulher foi educada para não sentir prazer, ensinada que o papel dela é reprodução da espécie e que o prazer era algo apenas para os homens. Com isso as mulheres sentem medo, culpa, pecado em obter orgasmo. Esse quadro vem mudando, felizmente. Os meios para obter orgasmo são conhecer seu próprio corpo e o que te dá mais prazer, isso pode ser observado, sentido, com a masturbação feminina, além disso, é importante o diálogo com o parceiro/a.

Passamos muito tempo ouvindo que “homens são de marte e mulheres são de vênus”. No sexo, os dois gêneros realmente têm demandas diferentes?

Para os homens é sexo todo dia, toda hora. Ele chega do trabalho – sexo. Sai para o cinema – sexo. Sai pra jantar – sexo. Ele pensa em sexo a cada 30 minutos. É como feijão e arroz, essencial. A mulher, em geral, é mais afetiva. Ela precisa sentir para depois pensar em sexo.

Se, por um lado, temos pessoas que nunca experimentaram um orgasmo, por outro, a ninfomania (vício em sexo) tem ganhado visibilidade. Como uma pessoa pode identificar ser viciada em sexo? Quais os problemas que isto pode trazer para a vida dela e como tem origem este tipo de vício? Nestes casos, é preciso acompanhamento com sexólogo?

Pergunta interessante. A ninfomania é comportamento sexual compulsivo e afeta entre 3% a 6% da população, com predominância entre os homens. Todo vício prejudica a vida, o cotidiano do ser humano. Só é considerado um transtorno psicológico quando tal comportamento e desejos sexuais prejudicam de maneira significativa as atividades e relacionamento afetivo. Por exemplo, quando se deixa de comer, de sair, de conviver para satisfazer o transtorno.

O tratamento é ensinar, orientar a pessoa a controlar seus impulsos e manter relacionamentos sexualmente saudáveis. Em alguns casos, são prescritos remédios. De início, a pessoa com o problema pode até procurar um sexólogo e tentar a terapia, mas, dependendo do grau, o profissional ideal é o psiquiatra.

Muitas religiões pregam coisas como o sexo somente após o casamento, além da proibição do uso de camisinha e de anticoncepcionais. Alguns movimentos religiosos chegaram a organizar movimentos para vetar a Educação Sexual nas escolas. Como você vê essa questão de religião e sexualidade?

Sou cristã e passei 16 anos como missionária, conselheira de mulheres e jovens. Nas palestras e reuniões se falava de tudo, mas esquecem que a sexualidade faz parte do ser humano. Se falam de sexo é para dizer que o papel da mulher em ser submissa e satisfazer o homem. Não é tocado nada que envolve sexo e esse universo. Eu acho que a informação adequada sobre o sexo deve ser falada nas escolas e igrejas como forma de orientação e educação sexual. Até por que acho engraçado se proibir de falar sobre sexo, tido como algo “feio”, mas que amam fazer! (risos).

Perguntamos a alguns leitores quais questões eles teriam para fazer a uma sexóloga. Entre as sugestões recebidas estão:

Como conversar com o parceiro sobre o desejo de realizar um determinado fetiche?

O diálogo é a ponte para tudo na vida e por que não usar quando o assunto é sexo na relação? Uma conversa aberta sem apontamento e no momento certo, com tom de voz agradável são necessários para introduzir o diálogo sobre fantasias sexuais com o parceiro. Há outras dicas que dou durante a consulta.

Como recusar o fetiche de um parceiro sem magoá-lo?

Bom, a comunicação é o começo. Sempre digo que sexo é prazer para os dois. Ninguém deve fazer qualquer fantasia sexual apenas para dar prazer ao outro. Tem que ter concordância. Uma vez, um homem perguntou: “o que faço para minha mulher querer sexo anal?  Procuro as ‘coleguinhas’?”. Eu disse: “se ela não quer, não faça! Sexo é prazer para os dois”.

Alguns casais passam a enfrentar problemas no campo afetivo e sexual. Porém, muitas vezes a origem destes problemas está em outras áreas da vida. Como identificar as raízes dessas questões e melhorar a relação? Como é feito o acompanhamento com uma sexóloga?

Sim, muitos problemas iniciaram em outras áreas, mas a maioria dos problemas entre casais, além da falta de comunicação, é o sexo. A falta do sexo causa distanciamento na relação a dois. Nesses casos, é importante identificar os problemas com uma conversa, contando com a ajuda de um terapeuta sexual ou especialista em relacionamento. Escutei de algumas mulheres “ah, se eu tivesse uma ajuda de um especialista em relacionamento como você para me ajudar nas crises conjugais, seria diferente”. Geralmente escuto ambas partes separadas no início e depois o casal juntos.

 

*Ana Claudia Carvalho é formada em Teologia pela Escola Superior de Teolinda (EST) de São Leopoldo-Sul e tem especialização em Terapia Familiar pela W-Pós Graduação.

Sexóloga em formação, escritora e mãe da princesa Beatriz, Ana Cláudia se descreve como uma pessoa apaixonada por gente e suas histórias.

Leitores interessados em fazer acompanhamento ou tirar dúvidas com Ana Cláudia Carvalho podem entrar em contato com ela através das redes sociais – @tudoasclarasclaudiacarvalho.

Aqueles que quiserem fazer sugestões de perguntas para a próxima entrevista com Ana Cláudia, podem enviar as questões para o e-mail [email protected] (as identidades dos leitores que fizerem as perguntas não serão reveladas).

Ana Claudia Carvalho é formada em Teologia e sexóloga em formação.
Ana Claudia Carvalho é formada em Teologia e sexóloga em formação.