”Foi em uma tarde de domingo, todo mundo viu/o banco abriu/o povo entrou/e a turma lá de trás gritou:/pagou e não roubou/pagou e não roubou.”
Pois é. Tudo isso aconteceu em 1966, ali no largo do Grande Hotel, na Ribeira. O governador era Aluízio Alves. O Banco do Rio Grande do Norte registrara uma diferença de 17 milhões de cruzeiros. Aluízio promoveu uma campanha para os seus seguidores ajudarem a reunir a grana e naquela tarde fez o pagamento. Do lado de fora uma multidão aplaudia e gritava “pagou e não roubou”.
Eram tempos de campanhas como nunca se voltará a ver. Em 1960 a Cruzada da Esperança enfrentara Djalma Marinho, inaugurando uma forma nova de fazer campanha, através de pesquisas, músicas, passeatas, comícios relâmpago, vigílias e usando os ataques dos adversários contra eles próprios, em “invertidas” como se diz hoje. Não se falava em esquerda nem direita, muito menos siglas dos partidos. Apenas em aluizistas e dinartistas. A cidade era uma província. Comunistas eram uma espécie de ave rara, vistos com certa curiosidade. Dizia-se em voz baixa: Fulano é comunista! Meu avô, ao se negar a pagar uma divida do seu falecido irmão, ouviu a pergunta: Então o senhor é comunista? Com a calma com que sempre agia, respondeu: – Se comunista é uma coisa boa, é o senhor. Se for uma coisa ruim, é o senhor também!
Os dinartistas adotaram o vermelho como cor de campanha e Aluízio, em oposição, usou o verde da esperança. E haja folhas e galhos, bananeiras inteiras carregadas nas mãos pelos fanáticos seguidores. Bandeiras nas casas e carros. Brigas e discussões. As maiores passeatas, sem dúvida, eram as promovidas pela Cruzada, arrastando multidões a pé pelas ruas da cidade e até a vizinha Macaíba. Em 1966 Dinarte Mariz, candidato contra Monsenhor Walfredo Gurgel, trouxe de Salvador o trio elétrico Tapajós para animar os seus comícios. As pessoas corriam atrás do trio, afinal, atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu. Havia os festivos, aqueles que iam às duas passeatas, pois queriam apenas se divertir – os tucanos da época. Ideologia não era muito importante nesse jogo, tanto que Aluízio, eleito pela gentinha, uma vez no poder reprimiu duramente estudantes, os trabalhadores da construção civil e especialmente o movimento da Polícia Militar por melhor soldo, que a época era irrisório. E quando foi cassado, em 1969, já era deputado pela Arena, partido do governo militar. Aquela foto do saguão da Tribuna do Norte mostrando Aluízio em meio a camponeses de enxadas nas mãos não traduz a verdade.
As campanhas eram uma festa só, oportunidade para beber, cantar, dançar, namorar e “pegar” as meninas. Naquele empurra-empurra tudo valia: as encoxadas, os amassos, a mão bobíssima. Se as passeatas não bastassem havia também o Trem da Esperança que seguia lotado até o interior do estado, parando a cada estação para comícios feitos na plataforma. Aliás, tudo era esperança, Caminhão da Esperança, Cruzada da Esperança, Cidade da Esperança. Quando seus eleitores foram chamados de gentinha a campanha assumiu a pecha e daí pra frente era a gentinha em ação. Dinarte falou em fechar a Lagoa Manoel Felipe e passou a ser chamado fechador. ´´É o padre, é o padre, é o padre/o negócio já pegou/é o padre, é o padre, é o padre/ninguém quer o fechador”. Era uma fake, provavelmente, mas e daí? A resposta veio rápida: “Quem foi que disse/que Deus mandou/homem de saia/pra ser governador?”
Os jingles eram criativos. Quem da minha geração não lembra “Aluízio Alves/veio do sertão lá do Cabugi/pra sanar o sofrimento do seu povo/sua plataforma eis aqui”?
Aluizio X Dinarte era meio que um ABC X América, mexia com o emocional das pessoas. Famílias rompiam, amigos brigavam, agressões aconteciam. Não havia ainda a chatice do absurdo horário eleitoral gratuito na TV nem a limitação de hora para manifestações de rua.
Eu era garoto sem noção, claro. Mas lembro de algumas coisas realizadas em meio a todo esse clima. A Lagoa Manoel Felipe com barquinhos, patos e a ilha dos macacos, era lugar agradável para recreação. A chegada da energia de Paulo Afonso. A inauguração do Hotel Reis Magos, a Cidade da Esperança com centenas de casas populares.
O golpe de 64 veio por fim a essa forma de campanhas, promovendo um expurgo violento das lideranças populares e impondo novas regras políticas, acabando com as eleições diretas para governadores. Mas agora confesso que olho muito preocupado para 2022 que se aproxima. Torço para estar errado e aquele clima de radicalismo polarizado não vá se repetir. Merecemos um debate político digno e esclarecedor. Tomara.
NATAL/RN