Em pandemia: na dúvida, duvide

Ney Lopes*

A pandemia traz incertezas.

“Em quem acreditar, afinal”?

Essa interrogação existiu no passado.

No reinado de D. Pedro II (1849) foi anunciado um vírus devastador, denominado “febre amarela”. Houve quem minimizasse os possíveis efeitos na saúde pública. O ex-ministro e senador Bernardo Pereira de Vasconcellos sugeriu que o Governo não gastasse dinheiro com médicos e enfermarias, deixando os doentes livres para buscarem tratamentos convenientes.

Duas semanas depois, morreu de febre amarela, que vitimou mais quatro colegas senadores.

Em 1904 ocorreu o mesmo protesto, quando Oswaldo Cruz tentou promover a vacinação em massa da população contra varíola. Chegou a ser organizada uma “Liga” contra a vacinação obrigatória, com apoio até de seus próprios colegas de profissão.

A Escola Militar da Praia Vermelha aderiu, sendo contida pelo governo, que suspendeu a obrigatoriedade. Em 1908, a varíola voltou e a própria população procurou os postos de vacinação.

O isolamento social e os prejuízos à economia, sempre estiveram no centro dos questionamentos. George Washington, quando presidiu os Estados Unidos, alegou que nas epidemias, a economia sofre, mas “saúde é riqueza” (health is wealth).

O historiador Jaime Benchimol mostrou, que tais situações nunca envolvem questões meramente sanitárias. Têm componentes políticos e econômicos.

Na atualidade, os Estados Unidos, Itália e Brasil contestaram o isolamento social. Os dois primeiros recuaram.

O Brasil não, salvo os governadores e prefeitos, que por determinação do STF enfrentam, além do “vírus”, o comportamento do Presidente, em descaso às cautelas sanitárias, que pelo “efeito imitação” influi na conduta coletiva.

Será essa uma das principais causas do aumento da pandemia no país?

A Suécia  já admitiu o seu erro de ter sido contra o isolamento, cuja consequência foram mais mortes do que os  vizinhos  NoruegaDinamarca e Finlândia, que impuseram medidas rigorosas.

Até Trump deu “puxão de orelha” no “amigo” Bolsonaro, ao declarar que se tivesse seguido o exemplo do Brasil, os Estados Unidos teriam mais de 2 milhões de mortos.

A revista “The Economist” colocou o nosso governo ao lado de Alexander Lukashenko, que está há 26 anos no poder na Bielo-Rússia, a única ditadura da Europa; do ditador do Turcomenistão, um país tão bizarro que já decidiu mudar os nomes do dia da semana e Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, que lutou contra a ditadura e fez sua própria ditadura, conhecida como república de bananas. O que chama atenção é o Brasil estar entre três ditaduras.

A “chacota” internacional estigmatiza esses quatro países, apelidados de firmarem “aliança de avestruzes”, numa referência ao mito, de que o “pássaro grande enterra a cabeça na areia, quando enfrenta perigo”.

Como superar tais incertezas?

Difícil responder, até porque o professor Bruno Latour, do Instituto de Ciências Políticas de Paris afirma que “as pessoas já não esperam das ciências verdades definitivas. Passamos da confiança total à dúvida absoluta. As ciências são muito mais poderosas do que dizem os seus críticos e muito mais frágeis do que pensam os ingênuos. O objetivo da ciência não é produzir verdade indiscutíveis, mas discutíveis”.

Neste debate há uma verdade: a pandemia mudará o comportamento social e econômico.

Há quem diga que é um acelerador de futuros. Antecipa mudanças profundas, através do fortalecimento de valores como solidariedade e empatia, que se opõem ao modelo de sociedade atual, baseado no consumismo, no lucro a qualquer custo e no estado esvaziado em suas funções sociais.

A professora paulista Lilia Schwarcz (também de Princeton, nos EUA) observou, que o o século 19 somente terminou no século XX, no final da Primeira Guerra Mundial (1918), após passar pela experiência de mortes, luto e destruição.

Da mesma forma, segundo a professora, mesmo já tendo passado 20 anos, a atual pandemia marcará o final do século 20, que foi o século da tecnologia, cujos limites estão sendo inteiramente alterados.

A teoria cartesiana proclama não haver homens com mais, nem homens com menos razão e por tal motivo é necessário sempre buscar fundamento seguro e definitivo nas teorias e soluções.

Diante de tantas dúvidas, causadas por um vírus mortal, que desafia a humanidade, a única regra parece ser a máxima: “na dúvida, duvide! ”.

Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal e advogado – [email protected]

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