Em defesa dos salários de juízes e promotores

Domício Arruda

Se os candidatos ao ENEM e concurseiros em geral soubessem, a carreira jurídica não seria tão concorrida.

As aviltantes remunerações pagas aos desembargadores, juízes e promotores está retratada, sem retoques nem penduricalhos, em espaço nobre de uma das mais conceituadas e sérias publicações semanais, com circulação admirável em todo o país.

Está lá pra quem quiser ver.

Na última página, em matéria assinada.

Na edição de 29/04/1950, da revista O Cruzeiro.

Compadecida dos amigos cearences, Rachel de Queiroz fez circunstanciada defesa dos que exerciam as altas funções da justiça, em precárias condições,  nos sertões nordestinos e mesmo nos fóruns de terceira entrância, à beira dos verdes mares gentios.

Motivada pela apresentação de um projeto de emenda constitucional, pelo dinâmico e sempre vigilante Deputado Café Filho, engrossou o coro dos que defendiam melhorias econômicas para a desamparadíssima magistratura nos estados.

Valeu-se de informações recebidas de um amigo, desembargador, para comparar os salários do judiciário nas terras de Clara Camarão com os de Iracema, um pouco melhores.

Pagamentos em torno de dois mil réis.

Juiz do interior ganhando 2200 e promotores, 1600. Cruzeiros.

Os irrisórios proventos não eram suficientes para o pagamento de aluguel de uma casa com o adequado conforto, nem permitia aos moços que se aventuravam pelas comarcas  longínquas, andarem vestidos com roupas de máxima decência.

Comparando, os leitores da primeira mulher a entrar no clube do bolinha mais fechado, vestida com o fardão da Academia Brasileira de Letras, entenderam a dimensão da injustiça salarial que precisava ser corrigida.

 O rapaz que trata do meu quintal aqui na Ilha do Governador ganha mais que um promotor no Estado do Rio Grande do Norte.

E qualquer empregada doméstica em Copacabana, cozinheira de forno e fogão ou babá, é muito melhor remunerada do que um juiz de direito na terra do gerimum.”

(Ou a futura imortal dispensava o copydesk ou o j só entrou no gentílico e cardápio dos potiguares, depois de alguma reforma ortográfica).

A sororidade também passou longe da crônica da adolescente autora d’ O Quinze.

Nenhuma lamúria em defesa das mulheres de carreira jurídica que, se já existissem,  estariam passando as mesmas privações.

A gaúcha Thereza Grisólia Tang só seria empossada em Santa Catarina, como primeira juíza do Brasil, quatro anos depois da patética reivindicação salarial que terminou em apelo emocional  aos congressistas:

O dever de vossas excelências é pelo menos, garantir aos homens que nos distribuem a indispensável justiça, aos representantes do terceiro poder no Brasil, pelo menos um pão e um teto garantidos, em retribuição ao muito que eles fazem.”

Data venia, Dona Rachel.

Domício Arruda é médico e jornalista

Território Livre – Tribuna do Norte 09.01.21

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