Desigualdade cria ambiente propício para extrema direita no Brasil, diz Dilma
Personificada no presidente eleito Jair Bolsonaro, a extrema direita estava latente no Brasil e aproveitou-se da desigualdade para pavimentar seu crescimento. A avaliação foi feita pela ex-presidente Dilma Rousseff, derrotada nas eleições de outubro ao disputar uma vaga no Senado por Minas Gerais, em entrevista à Agência Efe em São Paulo.
“Acredito que o que levou a criar um ambiente propício para que a extrema direita crescesse foi a desigualdade, que é engendrada por uma forma de desenvolvimento econômico que tem como aspecto prioritário o lado financeiro”, afirmou a ex-presidente pouco depois de participar de um evento da Fundação Perseu Ábramo, ligada ao PT.
Para a ex-presidente, a extrema direita estava escondida no Brasil após quase duas décadas do fim da ditadura militar (1964-1985). Outro elemento que contribuiu para essa irrupção, na avaliação de Dilma, é o fato de país ainda ter “todo um rastro de escravidão”.
No entanto, segundo a petista, o impeachment sofrido por ela em 2016 e a prisão em abril do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção, foram fatores definitivos para o movimento.
“O processo de impeachment e a prisão de Lula limparam o ‘centro ideológico’ e a extrema direita se apropriou dessa base do centro e da direita (não radical)”, analisou.
A partir disso, Dilma considera que foi criado um ambiente no qual a corrupção deixou em segundo plano outros problemas do país, como a concentração de riqueza na mão da camada mais rica da população.
“Dizem que a Petrobras quebrou porque houve corrupção dentro da Petrobras. A corrrupção não quebrou a Petrobras. A Petrobras continua tendo grandes lucros. O problema do Brasil não é a corrupção, mas sim como a crise nos afetou”, disse a ex-presidente.
Depois de quatro anos de prejuízos, a Petrobras dá sinais de que voltará a lucrar apenas neste ano, de acordo com os resultados trimestrais publicados até o momento.
Perguntada sobre suas maiores preocupações no futuro governo de Bolsonaro, Dilma afirmou que, do ponto de vista político, teme a “destruição do adversário”. Na economia, o medo é a agenda neoliberal do presidente eleito, que pretende vender estatais e tem outros projetos considerados pela petista como “nocivos” ao país.
“Uma coisa é derrotar o adversário, outra é querer destrui-lo fisicamente. Ele em vários momentos falou isso, não?”, questionou.
Dilma afirmou que não serão os militares indicados para compor o futuro ministério de Bolsonaro que darão a “nota grave” do governo. Para ela, que considera “extremamente preocupante” a quantidade de integrantes das Forças Armadas exercendo a atividade política, eles podem ter até um papel mais desenvolvimentista que o eleito.
“O que é uma nota preocupante do governo de Bolsonaro é o caráter neofacista, certos vínculos que ele tem, não somente com os militares, mas sobretudo com a pauta das milícias ou do combate antipetista, que se tornou uma espécie de anticomunismo”, analisou.
Na opinião de Dilma, o antipetismo de hoje tem “componentes fantasmagóricos” que não se viam no Brasil desde a ditadura.
“Mas o caráter fundamental do governo de Bolsonaro é ser um governo neoliberal de desmonte, combinado com um governo autoritário”, disse a ex-presidente.
Bolsonado, segundo Dilma, ainda terá que lidar com certas “contradições” de sua equipe, já que, para ela, há integrantes do futuro governo que não concordam com o “neoliberalismo radical”.
Para enfrentar os problemas que surgem a partir da aplicação de uma política neoliberal, a ex-presidente avalia ser fundamental a “radicalização da democracia” para combater o aumento da desigualdade e retrocessos nos direitos, como habitação digna, educação de qualidade e aposentadoria decente.
“Para nós, no Brasil, é fundamental radicalizar a democracia, ou seja, nós somos aqueles que defendem a democracia, que defendem as liberdades e os direitos civis fundamentais. É uma luta que não pode se esgotar só nos partidos, tem que envolver também os movimentos sociais”, concluiu Dilma.
Carlos Meneses Sánchez
Agência EFE